segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Chato.

Eles estavam deitados, pós-gozo, olhando as linhas paralelas do forro do teto, meio entediados, meio com sono. Ela tinha a cabeça apoiada sobre o peito do cara e sua mão direita repousava sobre o mamilo esquerdo dele. Ele acariciava algumas mexas do cabelo da garota e brincava de fazer pequenos cachos os enrolando com o indicador. Estavam sérios. O ventilador se virava, de um lado a outro, bambo, sem dar conta de movimentar o ar o suficiente para romper a camada densa que se instalara no cômodo. O som das palhetas rodando era o único que contrabalanceava o peso do silêncio. Não havia barulho de trânsito fora, nem ruído doméstico dentro. Aconteceu o seguinte:

Ele: _ Melhor a gente não se ver mais.
Ela: _ Concordo.
Ele: _ Não tô a fim de me apaixonar por ti.
Ela: _ Oi!?
Ele: _ Eu disse que não tô a fim de me apaixonar por ti.
Ela: _ Que papinho de adolescente pau no cu é esse?
Ele: _ É sério.
Ela: _ Não tem como levar a sério isso. Desculpa.
Ele: _ Tu não acredita que eu possa me apaixonar por ti?
Ela: _ Acreditar, acredito. Mas a gente se apaixona, se desapaixona, é feliz, se fode, eticétera.
Ele: _ Então tu acha que eu devo me apaixonar por ti?
Ela: _ Só se tu quiser te foder.
Ele: _ Por quê?
Ela: _ Porque eu não tô a fim de me apaixonar por ti.
Ele: _ Que papinho de adolescente pau no cu é esse?
Ela: _ Tu não tá entendendo. Eu não vou me apaixonar por ti, nem tô a fim de forçar a barra pra isso acontecer, se é que isso é possível...
Ele: _ Como tu sabe que não vai te apaixonar por mim?
Ela: _ Querido, confie em mim. Não vai rolar, não rolou.
Ele: _ Foi porque eu disse que tenho medo de me apaixonar por ti?
Ela: _ Também... Mas, principalmente, porque te achei chato.
Ele: _ Chato!? Como assim!?
Ela: _ Não tô dizendo que tu é chato. Disse que eu te achei chato. É só meu ponto de vista, tu não precisa dar tanta importância pra ele.
Ele: _ Agora eu quero saber porque tu me acha chato!
Ela: _ Tá vendo? Por isso tu é chato. Quer que eu te explique tudo.
Ele: _ Tu não acha que tu tá sendo um pouquinho escrota? Tenho o direito de saber por que tu me acha chato!
Ela: _ Tô sendo escrota, sim, mas é pra evitar que tu te apaixone por mim e tal. Tô te prestando um favor, nem precisa agradecer. E tu não tem direito a nada, antes que eu me esqueça. Eu falo se eu quiser, o que eu quiser e não quero falar... Agora acho que tu precisa ir embora.
Ele: _ Não, por favor... Deixa eu ficar só mais um pouco...
Ela: _ Cara, eu não gostei de ti! Tu é masoquista ou alguma coisa assim? Não curto essas paradas, não. Por favor, melhor tu ir.
Ele: (...)
Ela: _ Tchau. Obrigada pela foda.

Aquele havia sido o segundo encontro deles. A iniciativa de trepar, obviamente, havia partido dela, que sugeriu assistirem um filme em sua casa com terceiras, quartas e quintas intenções. Nunca mais se viram depois daquela noite. Ela não atendeu as ligações dele e o bloqueou no WhatsApp. Ele passou quatro meses stalkeando o perfil dela no Facebook, mesmo depois de também ter levado block lá. Criou uma conta fake apenas para continuar acompanhando as postagens e ficar admirando as fotos da moça. Os amigos dele precisaram aguentar semanas de lamentações e desabafos dramáticos seguidos de porres babacas dignos de pena. Ele estava convencido de que havia perdida a mãe de seus filhos e que nunca encontraria alguém à altura.


Ele só superou a crise quando, atendendo aos apelos de um conhecido em comum, a moça foi procurá-lo, cheia de dó. Ela sabia o que fazer. Disse a ele que só o tratou mal porque, realmente, também estava com medo de se apaixonar. Confessou que não queria se sentir tão vulnerável. Pediu perdão pelo ocorrido. Era tudo mentira, mas o cara acreditou. Então, como ela previa, ele se encheu de orgulho e disse que já era tarde demais, que não valia mais a pena arriscar. Ela fingiu que lamentou, insistiu um pouco, mas o moço estava irredutível. Não se falaram mais. Ele parou de stalkeá-la, se interessou por outras mulheres. Depois, se vangloriou do que fez para os amigos que, por pacto, jamais lhe revelaram a verdade. Entre os amigos dela, ele virou uma piada pronta. E tudo acabou bem.