segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Aparição.

Fotos são tempo enclausurado
Pedaços de passado fragmentados
Videos são unidades maiores
Todos, um dia, seremos apenas fotografias
Quem tiver sorte, também será alguns frames nostálgicos

Somos breves
Sobreviveremos em papeis fotográficos apodrecendo,
Em bytes de super servidores escondidos pelo Google ou sei lá quem,
Em HDs, Pen Drives, oxidando devagarzinho

Uma vez eu fotografei um unicórnio
Mas a luz não reflete em unicórnios
Eles têm luz própria e o sensor da minha câmera não o reconheceu
Fotografei o invisível e o guardei
Ninguém entende a minha fotografia
É difícil decifrar o tempo.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Superaudição

Ouvi:
O bater de asas de uma mosca
A luz do sol sofrendo refração na janela
Um enxame de zês embalando o sono de um bebê
A verdade universal que pôs fim à dúvida de onde-viemos-para-onde-vamos
O amor batendo os quadris de um casal de velhos
Ouvi o pisca-pisca vagaluminoso das árvores de Natal
E a Rainha de Copas gritando: "Cortem a cabeça!"
Escutei o passar das páginas de um livro velho, de capa dura e letras desbotadas
Ouvi uma mangueira pretensiosa germinar
E o farfalhar das águas tranquilas da baia do Guajará na Estação das Docas
Tenho quase certeza que ouvi meu silêncio, entre o estômago e o cóxis.
Mas minha memória é fraca e já esqueci como eram os sons de tudo, exceto o barulho de uma Coca-Cola nova borbulhando em um copo de felicidade.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Só a quem interessar possa.

       Escrevi um livro e tal. Acho que se alguém ainda vem por estas paradas merece saber. Foi pra um edital e não sei se vai rolar publicação, por isso, não quero alardear nada até chegar o momento de eu, provavelmente, ir mendigar outras editoras para lançá-lo. É meio que um segredo que dividi com minha família e uns amigos próximos. Vocês não são meus amigos (acho), mas são próximos. Tentei escrever, aqui mesmo no blog, pelo menos dois livros e nunca tive disciplina ou maturidade suficiente para levá-los adiante. Eu só evoluí o suficiente pra escrever quase psicografando. Isso não é muito maduro.
      A história, bom, é minha autobiografia inventada, cheia de falsas memórias, devaneios, ilusões e piadas de mau gosto. Cheia de gente que passou por mim e foi embora. Tá longe de ser o melhor romance do mundo, mas eu daria umas trinta Dilmas nele. E é só isso que ele vale, eu acho. Dá pra dar umas boas risadas e sentir umas agonias, se a dose certa de sensibilidade permitir. A Elisa Lucinda fala que o humor dá a volta no sentido. Eu tentei dar a volta em mim mesmo. Acho que rodei que nem peão e isso deve explicar boa parte do que escrevi. Como diria Maneco: "Noventa por cento é invenção. Só dez por cento é mentira".
     O resultado só sai em março do ano que vem, então tenho bastante tempo pra pensar em outras inutilidades. Consegui escrever 232 páginas contando apenas uma história. Fiz em um mês e meio. Me fodi pra caralho, diarreia, vômito, essas coisas. Eu tenho transtorno afetivo bipolar e, se de um lado eu só comecei o livro por causa disso, do outro eu tive que ir pra quinta dimensão e beijar árvores pra finalizá-lo. Estava disposto a terminar nem que precisasse ditar com os olhos, como em o Escafandro e a Borboleta. Esse é outro spoiler que só compartilho com vocês, anônimos incógnitos. 
     Saibam que eu estou me recuperando bem, bastante feliz e satisfeito com o resultado final. Tem muita coisa que eu queria ter dito e não disse, por amnésia, pudor ou respeito. Prefiro não ficar pensando no que deixou de entrar porque agora é tarde. Ainda assim, apesar da necessidade de alguma edição, é um livro legal. Era algo que eu ensaiava há, sei lá, 18 anos. Sinto que fiz algo importante e eu tenho necessidade de fazer coisas importantes. Eu preciso aprender muito ainda, tanto em relação à literatura, à poesia quanto à vida. Não posso ficar me explodindo porque os estilhaços ferem quem está ao meu redor. Mas passou. Eu passarinho. 
  Obrigado a quem ainda entra no Vago, a quem entrava quando eu atualizava com mais frequência, a quem fazia questão de comentar, a quem aturou minha mudança de estilo, a quem compreendeu que eu precisava amadurecer, a quem dedicou/dedica minutos preciosos para dar atenção ao blog com tanta coisa distraindo a gente na internet. Se não fosse pelo exercício do Vago, eu não teria escrito porra nenhuma. Foi neste espaço cinza que eu cresci, experimentei, errei e aprendi. E se eu me propus a isso, foi por saber que teria, pelo menos, mais uma pessoa além de mim lendo. Muito obrigado, alguéns.
      Torçam por mim. Segunda quinzena de março de 2015. Tenho deixado o blog meio de lado, mas eu escrevo algumas besteiras no Facebook. Quem quiser, pode me adicionar sem problemas: https://www.facebook.com/tiagojuliom De qualquer maneira, tentarei ter mais respeito pelo Vago. Ele merece. 
       Até mais.

sábado, 1 de novembro de 2014

Não há lugar no mundo melhor.

     
"Se andarmos longe o suficiente, nós iremos chegar a algum lugar em algum momento" 
Dorothy, O Mágico de Oz.

      Certo de que a estrada, invariavelmente, lhe levaria a canto algum, pôs-se a correr. O idiota corria como se sua sobrevivência dependesse de estar em movimento. Mais do que estar em movimento, estar acelerado, com suor lavando as têmporas, batimentos descontrolados e dormência nas pernas. Se alguém pudesse vê-lo, correndo em direção a nada, talvez tentasse pará-lo, ou aconselhá-lo, um homem carregando uma espingarda, com alguma sorte, pudesse abatê-lo. Mas não havia mais ninguém naquela estrada de pedras amarelas que, ao invés de levá-lo a um mágico, era signo de absoluto desencanto e anulava qualquer possibilidade de fantasia. No entanto, indiferente à solidão e alheio à própria inutilidade, ele corria impassível. Não faço a menor ideia do que ele pensava. Não vejo justificativas pra desembestar numa carreira em direção à porra nenhuma. Procurei muito e, a cada suposição, surgia um novo questionamento e, enfim, desisti de tentar montar o que pra mim parecia, por falta de metáfora mais apropriada, uma quebra-cabeça sem peças. Na época, eu queria estar lá, queria pegá-lo pelo braço e dizer pra ele parar com aquela merda porque poderia morrer de exaustão, desidratação, infarto, aneurisma, tropeção ou o caralho que fosse. Queria, na verdade, uma desculpa pra entender porquê. Eu só queria saber o que leva alguém a correr, conscientemente, por uma estrada que leva a canto algum. Mas eu não estava lá. E ele correu durante muito, muito tempo, com um leve sorriso no rosto. Levou consigo algo que, só sei disso, era muito sério. Nunca vou saber exatamente o que era e, por isso, odeio aquele filho-da-puta com todas as minhas forças. Espero, sinceramente, que ele tenha morrido, pra evitar riscos, pra nunca mais foder com a cabeça de ninguém.

sábado, 2 de agosto de 2014

Lembrar.

 Construiu uma máquina do tempo e agendou uma viagem pra o futuro. Relativizou seus sentimentos e se perdeu entre a covardia e o egoísmo. Juntou lembranças e fotos desbotadas em uma mala e se pôs a caminhar a esmo. Buscava, longe, uma alternativa pra o seu descontentamento crônico. Ergueu um castelo de areia à beira mar e passou a adorar uma sereia. Sonhava com possibilidades remotas e enredos impossíveis. Achava que o martírio era perdão e que as coincidências eram todas ingratas. Escreveu um livro de memórias inventadas cheio de digressões fora de nexo. Desfez amizades por egocentrismo e megalomania. Suplicava esmolas pra não morrer de fome. Era prisioneiro de si, seu próprio refém, seu algoz e sua vítima. Descobriu que haviam lhe posto raízes profundas e antigas. Viu-se num poço de culpas vãs. Eram remorsos inúteis que guardou por incapacidade de interpretar o passado. Sorriu, porque só restava sorrir, porque era absurdo. Lembrar é perene. 

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Rodeios.


     Engoliu um grito e, fecundado com o silêncio, pariu um segredo. Me confessou que, entre tudo acaba, no meio do desgaste, do tédio, da rotina e do cansaço, há coisas teimosas e graves. Falou que eu precisava tomar cuidado, especialmente, com as coisas teimosas e graves. Me explicou que a esperança é frustração ignorada e que o sonho é uma praga que nos devora indefesos. Paciente, me instruiu a cultivar com leveza a concretude do que não se realiza. Me deu em mãos cartas em branco e palavras soltas numa folha sem métrica. Me inspirou até onde pode e morreu, sem realizar nada, tendo vivido pela metade, até virar lembrança de ninguém.

domingo, 22 de junho de 2014

Música de foda.

Teu músculo latejando contra o meu músculo. Os poros se tocando em desespero. As papilas roçando úmidas. A gravidade do tato em frestas obscenas. As esquinas das frestas suando. As carnes se enroscando como se fosse finalidade única das carnes se enroscarem. São dançarinos expulsos do ballet Bolshoi por causa da cocaína. Teu cuspe lavando o meu cuspe. Chupo tua saliva pra me purificar por tudo aquilo que não pequei. Lambo a tua língua sem modos ou pudor, como um velho nojento chuparia um peito de 15 anos. Tens sabor de Halls preto com água gelada. As pernas desaprendendo a serem pernas. A consciência do pau avolumando a cueca. Eu tenho a pretensão de desfazer tua memória e me eleger o único gosto que podes provar. Tua respiração quase cessa e eu quase me esqueço de tudo. Tua maior putaria é emudecer o mundo. Só sobra tu, meu viciozinho de merda que, mais fodido que resignado, eu não consigo largar. Tu és a nostalgia que eu sinto de brincar, quebrando e desmontando. Machuca, mas a minha sacanagem é inocente. 

segunda-feira, 24 de março de 2014

domingo, 16 de março de 2014

Na sarjeta.

        Eu te encontrei, ontem de madrugada, na vala, pedindo socorro. Teu vômito lavava teus pés e manchava teu vestido branco. Tinhas a cabeça entre as pernas e as abraçava afagando tuas canelas finas. Estavas atordoada e sonolenta. Teu corpo pendia pra direita. Um terço do teu rosto se sobressaia entre os joelhos, iluminado pela luz amarela do poste. Eu fiquei, de longe, te olhando. Pensei na possibilidade de teres cheirado cocaína, talvez estivesses tendo uma overdose. Havia uma puta que nos observava da outra esquina, distante. Tinha um grafite estranho no muro às tuas costas. A rua estreita estava seca de carros e de pessoas. Havia apenas tu e tua decadência frágil. Algumas pedras portuguesas da calçada estavam soltas. Havia uma pedra solta perto da tua coxa esquerda. Senti uma necessidade estranha de colocá-la no lugar. Eu pensei em te carregar no colo, mas fiquei sem jeito. Eu gostaria de ter te estendido a mão, mas faltou coragem. Tu permanecias imóvel, exceto pelas tuas costas se mexendo com o inflar dos teus pulmões. E, de repente, não sei direito como aconteceu, meu nariz começou a coçar. Meus olhos umedeceram e, te vendo no chão, lágrimas escorreram pela minha bochecha. Eu acreditava ter superado o tempo dos sentimentalismos baratos. Chorei de incompreensão. Não era compaixão ou pena. Eu chorei porque gostei muito de ti. Acho que foi a luz, o vômito ou tua semiconsciência. Gostei de ti de forma ingênua, superficial, idiota e intensa. Eu queria saber da onde tu vinhas e ouvir teus problemas. Eu queria limpar tua sujeira e resolver tua vida. Eu ia te perguntar o que tinhas ingerido e qual era o teu maior segredo. Eu ia te convidar pra assistir Masculino Feminino e te faria companhia no tédio de um domingo desses. Eu não entendi porque estavas só, exposta a assalto, sequestro, assassinato, estupro. Foi quando me aproximei do teu all star e toquei teu ombro direito. Levantaste a cabeça pra mim e teus olhos verdes estavam serenos. Fiquei te olhando por uns dez segundos, antes de te refugiares de novo no vão entre teus joelhos. O acaso, o acidente, a imprecisão do encontro, o cheiro da madrugada, todas essas coisas reviraram meu estômago. Eu escreveria um poema escroto se tivesse pulso. Eu beijaria tua boca babada e suja se não me doesse o peito. Senti aquela rua soturna rodar embaixo dos meus pés. Eu quis correr, mas senti que iria cair. Fui embora, devagar, com a certeza de que perdi algo. Foda-se. O pessimismo na dúvida é o conforto dos covardes. Eu espero que tenhas sobrevivido. Tu, sem se mexer, gritas em silêncio, afagas e açoitas, ameaças e seduz, tu morres e tu matas.

domingo, 9 de março de 2014

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Meias verdades.

Uma pedra lhe enfeita o lado de dentro do peito. Lá onde não bate luz, onde ninguém vê, uma pequena rocha incrustada por trás das costelas faz seu tronco pesar. E quando chegam sofrimentos, mágoas, ressentimentos, descaminhos, ofensas, remorsos, saudades, a pedra rola. Por dentro, carnes são rasgadas, vértebras deslocadas, artérias puídas. Ele ainda não se acostumou à dor, ao mover da pedra, à gravidade da queda. Ainda chora, soluça e treme. Alheios a ele, firmes, os minerais não se desprendem, não se intimidam, não se rompem. Só há a pedra, bruta, laminada, inconsequente, sobressaindo no peito vago, machucado. E, no fim, há vísceras que não restituem, há pedaços que sobram, veias que permanecem sobressalentes, pontas soltas.  E, pouco a pouco, a pedra é amolada, o corpo diminui e a falta sobra. 

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Rescaldos.

     Quando ela dorme, o presente se distorce, o tempo se comprime. Aí acaso se distrai e a felicidade, serena, repousa tranquila perto dela. Quando ela dorme a noite se acende, o escuro grita e o medo emudece. E uma dúzia de anjos tocam blues, bossas, valsas e cirandas para velar o sono dela. Porque quando ela dorme a verdade e o mistério se confundem e se atraem. Ela é nereida navegando distraída, é ninfa ignorando o que é, mais poesia lírica que esta narrativa dramática, mais bela e imprecisa que a exatidão cega das minhas palavras. Quando ela dorme eu esqueço e sonho com ela.