domingo, 22 de dezembro de 2013

Pão e Circo.

Com minha cabeça na guilhotina, eu rio do carrasco. Trêmulo, ele segura a corda que ativará as engrenagens da máquina. Finge ressentimento e culpa antecipada pelo que fará. Só o carrasco sabe das minhas intenções. O público aguarda impaciente a decapitação, famintos pela desgraça. Ansiosos, os corações, mesmo com a certeza do que sucederá, batem acelerados, nervosos. Mesmo prevendo o óbvio, a ideia de um homem perdendo a cabeça lhes embrulha o estômago, apaziguando sua fome. Mas eu também rio da cara do público, carente de diversão, amenizando suas tristezas com espetáculos fúnebres. Não tenho medo do que as pessoas farão. Eu sinto pena por elas precisarem me ver morrer pra sorrir. No entanto, o público sabe que não morrerei aqui, preso e humilhado. É a ideia da morte que os fascina. Surpreendentemente, no auge da expectativa, zunindo, a lâmina corta o ar e atinge certeira meu pescoço. Sangro pouco. Aprendi a não me machucar. Minha cabeça rola pelo chão enquanto o carrasco tira meu corpo da máquina.


O público murmurando palavras, impressionado e com medo, admira meu crânio sorridente virado pra o céu. Consigo ouvir frases soltas: “Que horrível”; “Fecha o olho”; “Deus tenha piedade”. Coisas assim. Como essa é a parte mais cansativa do meu show, levanto imediatamente meu corpo jogado na coxia e vou correndo buscar a cabeça. Há um grande assombro, algumas pessoas vomitam, outras desmaiam, uns poucos se cagam de medo. Eles não sabem que, certa vez, perdi a cabeça e precisei colá-la com Super Bonder. Desde então, ainda que pareça que a perdi, aprendi a olhá-la para além de mim. As luzes começam a piscar no alto do picadeiro e meus olhos doem. Pego a cabeça entre as mãos e, como se eu fosse um boneco de Lego, religo o crânio com a coluna com um só movimento. Não há mais sangue ou vísceras, tudo está intacto e inteiro. Faço uma reverência e, inebriada, a plateia amortecida aplaude de pé sem desconfiar de como fiz o que fiz. Amanhã tem mais. 

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