Com minha
cabeça na guilhotina, eu rio do carrasco. Trêmulo, ele segura a corda que ativará
as engrenagens da máquina. Finge ressentimento e culpa antecipada pelo que
fará. Só o carrasco sabe das minhas intenções. O público aguarda impaciente a decapitação,
famintos pela desgraça. Ansiosos, os corações, mesmo com a certeza do que
sucederá, batem acelerados, nervosos. Mesmo prevendo o óbvio, a ideia de um
homem perdendo a cabeça lhes embrulha o estômago, apaziguando sua fome. Mas eu
também rio da cara do público, carente de diversão, amenizando suas tristezas
com espetáculos fúnebres. Não tenho medo do que as pessoas farão. Eu sinto pena
por elas precisarem me ver morrer pra sorrir. No entanto, o público sabe que
não morrerei aqui, preso e humilhado. É a ideia da morte que os fascina. Surpreendentemente,
no auge da expectativa, zunindo, a lâmina corta o ar e atinge certeira meu
pescoço. Sangro pouco. Aprendi a não me machucar. Minha cabeça rola pelo chão
enquanto o carrasco tira meu corpo da máquina.
O público
murmurando palavras, impressionado e com medo, admira meu crânio sorridente
virado pra o céu. Consigo ouvir frases soltas: “Que horrível”; “Fecha o olho”;
“Deus tenha piedade”. Coisas assim. Como essa é a parte mais cansativa do meu
show, levanto imediatamente meu corpo jogado na coxia e vou correndo buscar a
cabeça. Há um grande assombro, algumas pessoas vomitam, outras desmaiam, uns
poucos se cagam de medo. Eles não sabem que, certa vez, perdi a cabeça e
precisei colá-la com Super Bonder. Desde então, ainda que pareça que a perdi,
aprendi a olhá-la para além de mim. As luzes começam a piscar no alto do
picadeiro e meus olhos doem. Pego a cabeça entre as mãos e, como se eu fosse um
boneco de Lego, religo o crânio com a coluna com um só movimento. Não há mais
sangue ou vísceras, tudo está intacto e inteiro. Faço uma reverência e,
inebriada, a plateia amortecida aplaude de pé sem desconfiar de como fiz o que
fiz. Amanhã tem mais.
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