segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Lembrete pras horas escrotas.

      A inspiração é imatura e irresponsável. Afetação adolescente achar que os mecanismos racionais que te permitem criar não podem, voluntariamente, ser acionados. Ingenuidade esperar por um evento externo, aleatório, pra fazer algo que tu poderias fazer se realmente te dedicasse a fazê-lo. Escrever por impulso produz ideias piegas, superficiais, dramáticas, frágeis. Um bom trabalho requer esforço, avaliação, critério, tempo. Não há espaço pra autocrítica se tu vomitar palavras sem pensar em conexões lógicas e estruturas razoavelmente elaboradas. Bobagem usar escassez criativa como desculpa pra tua inabilidade de te concentrar o suficiente pra fazer o que precisa. Tudo que tu necessitas pra fazer o que tu é capaz de fazer existe independente de casualidades. Gatilhos e insights são atalhos que tua cabeça inventou por preguiça de percorrer caminhos retos e objetivos. Fatos, sensações, sentimentos e falas não precisam necessariamente preexistir pra serem criados. A ficção não demanda veracidade, só consistência. A liberdade tá na concretude da criação, não na ressignificação da vida. As palavras não precisam ser ditas pra serem escritas. A vida não é um filme esperando pra ser gravado. Tu não é um personagem. Ninguém é um personagem. Não existem enredos prontos. Tudo requer método, métrica, sentido, cuidado pra ser elaborado e não soar dramático. Não há histórias pré-moldadas. Não há mágica, nem milagre. E o fato de tu ter escrito essa merda, em menos de dez minutos, depois de olhar pra ela, não quer dizer absolutamente nada. 

domingo, 18 de agosto de 2013

Das coisas que eu pensei ter desaprendido como faz (ou nunca soube fazer)

               Não há palavras. Não há verbos. Adjetivos. Substantivos. Pronomes. Não há artigos. Não há pensamento. Há o estar e o existir. Há ela. Há ela estando e existindo. Há seu rosto na contraluz e sua respiração tranquila. Não há mais eu. Há ela embrulhada no cobertor com a cabeça afundando o travesseiro. Há o quarto escuro. Não há mais nada lá fora. Não há sentido ou incompreensão. Não há pensamentos, suposições, teorias, divagações, lógicas, preocupações, anseios, trabalho, televisão, frustrações, complexos, pobreza, fome, injustiça, violência, hipocrisia, pessoas, mundo. Há seus traços delicados e sua pele pálida. Há sua inconsciência abraçando o tempo/espaço. Há o peito quieto e a cabeça vazia. Há um nirvana, tímido, silencioso. Há o presente se espreguiçando tranquilo pela madrugada. E ela dentro nele. Não há mais nada.