domingo, 28 de abril de 2013

Contato.


Sentia as gotas de suor empapar a camisa, cada vez mais colada ao corpo, enquanto a náusea crescia no estômago. Pensou em abrir o punho, largar as barras e tombar ali, desistindo do mundo. Repensou porque atrasaria a chegada de todos que, como ele e, mais que isso, independente dele, queriam apenas sair daquela panela.

Ela havia se debruçado, curvando a coluna mais do que o necessário, esticando as pernas pra fora do assento. Abraçou a mochila e fechou os olhos. Suas sapatilhas tocavam o sapato dele de leve. Ele notou a proximidade e se permitiu virar o pé direito três graus à esquerda, aumentando a área de contato.

A pele branca dela brilhava no sol que incidia sobre sua testa umedecida. As sardas e sinais se tornavam ainda mais delicados na palidez reluzente do rosto. Ele desviou os olhos pra baixo e fitou pálpebras trêmulas, cerradas, tentando evitar o excesso de luz. O enjoo crescia. O piercing brilhando na extremidade da orelha direita. As gotas de suor escorrendo sinuosas na tez angelical. O cordão dourado adornando o pescoço elegante.

O calor infernal abafando o peito. O chacoalhar nauseante em curvas fechadas a sessenta por hora. A paisagem uniforme desfilando veloz pela janela. O seio pulsando na respiração quase ofegante. Caberia na boca? Ela riria se ele contasse uma piada de mau gosto? 

O mormaço girando a cabeça, a ânsia na barriga, ela ali embaixo, o calor, a censura, as contrações nos músculos abdominais, o líquido gástrico subindo o esôfago, o diafragma descontrolado, o vômito sujando os cabelos negros. O torpor. O medo.

Todos olharam assustados. Ela abriu os olhos instantaneamente sentindo um nojo e uma repulsa indescritíveis pra alguém que nunca levou uma vomitada na cara descrever. Sua pele alva estava suja pra sempre. Limpou-se desesperadamente com a blusa enquanto ele olhava estático. O cobrador pediu pra parar. Atônico, ele levou a mão à boca e desceu o mais depressa que pôde.

Na saída, ainda vomitou novamente na roda do ônibus. Ainda viu o rosto dela, assombrada, sendo limpo por uma senhora piedosa. Ainda pensou em subir lá e pedir perdão. Ainda pensou em se jogar embaixo do carro. Ainda pensou em perguntar sobre seus sonhos e medos.  Mas ela foi embora no sinal verde. Ele no taxi. E mesmo tão íntimos, nunca se conheceram.