sábado, 8 de setembro de 2012

Bundas.

 

     Edu avaliava bundas a partir do desconforto ou prazer que a possibilidade de cheirá-las lhe dava. Bundas grandes demais, murchas, encorpadas desproporcionalmente, salientes de forma equivocada, costumavam fazê-lo torcer o nariz. Já as nádegas de contornos herméticos, empinações curvilíneas, extensões hormônicas de cinturas magras, lhe roubavam os olhos e seu carinho. Nunca soube de onde trouxera o estranho costume de admirar traseiros. Coisa que vinha de criança, época em que a visão alinhada aos rabos lhe permitia olhares furtivos sem tantas discrições. As carnes pendendo sobre a parte de trás das coxas, aquele prolongamento estranho de costa, a forma como nunca conseguia encontrar uma bunda essencialmente semelhante à outra... tudo parecia a Edu curiosamente divertido. Só aos 12 anos ele viu uma bunda desnuda. Só aos 14 entendeu as possibilidades que ela oferece. Só aos 17 tocou em uma bunda alheia. Aos 18, percebeu que seu amor era universal e anônimo.

     Na maioria das vezes, ao contrário do que possa parecer, Edu não sentia qualquer ímpeto sexual contemplando as belas nádegas que lhe cruzavam o dia. Era um voyeurismo sem maledicências, um afeto altruísta que não esperava nada em troca. Edu comparava as bundas com as obras de Niemeyer: esculturas modernistas em formas ausentes de principio ou fim. Obras de arte cíclicas, cheias de contornos e entornos que, apesar de não raro ocupadas, poderiam muito bem ser apenas admiradas em sua completude. Hipótese absurda, sabia Edu, e por isso segredada apenas à gente de confiança que não lhe julgava mal. Ainda que quase todos tenham anomalias em seu modus operandi, conscientes ou ignoradas, é mais seguro omitir possíveis perversões e seguir o rebanho. A diversão está na divulgação de lixo pessoal da mais alta irrelevância, uma orgia seborreica de vaidade e orgulho. Amores por bundas inominadas, por alguma razão, são execrados. E nem era bundas peludas. Edu achava o rebanho engraçado.

    Um dia, atravessando a Avenida Rio Branco, uma mulher ornada com um vestido floral assassinou Edu. Era uma garota de porte médio, com cabelos loiros encaracolados que pendiam sobre os ombros, corpo esguio e canelas tão brancas que reluziam na claridade da manhã. Edu reparou em todos os detalhes: os sinais na parte de trás dos seus braços, suas unhas pintadas num rosa quase invisível, a cicatriz enigmática na sua panturrilha, o piercing saltando da ponta de sua orelha esquerda... Ele a seguiu, variando a distância, por quatro quarteirões, determinado em nunca mais perdê-la de vista. Aquela, pensou Edu, era a bunda da sua vida. Mas eis que, cruzando a Rua da Alfândega, com os olhos fixos no rebolar do rabo, ele não percebeu quando o semáforo mudou de cor. Edu nem viu o que o acertou, só percebeu que estava entrevado no asfalto e com muito sangue na boca. Por justiça divina, a mulher do vestido floral correu, curiosa, para tentar ajuda-lo. Na mesma hora, outra nádega se aproximou pela direita e, vesgo, com a cabeça virada para o lado, Edu achou um ângulo em que podia apreciar tanto uma quanto outra. Dividido entre a lingerie vermelha e o jeans atochado, sob a sombra de duas bundas lindas, a visão de Edu foi escurecendo aos pouquinhos até, finalmente, ele dar graças a Deus e morrer aliviado.

Um comentário:

Gabriel Nantes de Abreu disse...

Edu teria sido mais feliz nesta breve vida se tivesse se tornado cantor de funk ou ator pornô, pelo menos gastaria seu breve tempo na terra dando tapinhas em bundas variadas.