segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Tatu-bola.

 

Cessa a tarde com o bule apitando no fogão. O céu está saturado num dégradé azul-laranja. Aqui embaixo, nós existimos à parte, somos estranhos no ninho, comida regurgitada, falhas na Matrix. O silêncio quase me ensurdece. Tá tudo tão quieto que, de tão silenciosas, as coisas nem parecem existir de verdade. Às vezes, acho que se eu pressionar forte, posso te liquefazer numa poça de Cheirinho de Bebê. Acho engraçado tu ter cheiro de passado. Tua carne é tenra como um travesseiro velho. Sei que os átomos nem se chocam, que os elétrons faíscam, mas minhas mãos estão cheias de ti. O chá de erva-doce está pronto, mas eu odeio chás. Eu bebo porque tu gostas. Eu escrevo porque tu ris. Só anoitece pra fazer frio no nosso deserto de enjoos, paredes descascadas e formigas assassinas. Acho que amanhã não chega pra sempre.

Um comentário:

Anônimo disse...

"O silêncio quase me ensurdece. Tá tudo tão quieto que, de tão silenciosas, as coisas nem parecem existir de verdade"

Quando eu quero me sentir "entendida" por alguém, venho aqui. Esse texto - e tantos outros - carregam uma familiaridade, que me fazem bem.

Abraços.