sábado, 5 de maio de 2012

Essa é verídica (só essa, juro por deus).

      Havia uma senhora morena magra de cabelos crespos bagunçados, bermuda surrada, blusa gasta e sandália de dedo. Vou chamá-la de senhora porque não sei seu nome e, ainda que soubesse, não seria o suficiente pra tira-la do anonimato a que nasceu condenada. Ela é companheira de outros tantos milhões que vivem às margens disso que chamamos sociedade, que recebem como cumprimento viradas de cabeça fingindo ignora-los. Eu sei que há muitas senhoras morenas assim por aí, mas eu não me arrisco em chutar uma idade, o que poderia facilitar a produção de uma imagem mental, porque ela aparentava ser muito pobre. Não sei se pobre a ponto de não ter nada, mas era pobre o suficiente pra não ter o direito de se preocupar com muitas vaidades. Quando se é pobre, não dá pra enganar o tempo: viver exige esforço, é preciso andar debaixo do sol, suar, usar as mãos, cansar as pernas, esperar e trabalhar muito até a hora de dormir. Não sobra dinheiro pra gastar com tratamento capilar, pilates, ginástica, roupas bem acabadas, sapatos bonitos, jóias chamativas, botóx, peeling ou os novos lançamentos de maquiagem da Avon.

      No entanto, a vida, justíssima como só ela consegue ser, deu àquela senhora uma forma de esconder a passagem dos anos e envergonhar quem tivesse coragem de lhe virar a cara: um tumor, uma carne estranha, uma parte avulsa que brotava da lateral esquerda de seu rosto e lhe cobria e deformava boa parte da cara. Então, aquela senhora, que nasceu já não tendo nada ou quase nada, recebeu como presente uma marca gigante que lhe atraía olhares indesejados, como o meu.  Eu a vi quando estava dentro do carro, preso em um engarrafamento, enquanto ela se dirigia a um banco. A senhora parou em frente à lateral envidraçada da agência, olhou seu reflexo no vidro e ajeitou os cabelos. Depois, andou mais à frente, se apoiou com as duas mãos na porta e aproximou o rosto pra tentar olhar através do espelho pra o interior do prédio. O carro andou e eu fui embora, mas, pra mim, aquela senhora ficou lá pra sempre.

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