sábado, 21 de abril de 2012

Uma vez no Arizona.

      Os pingos da torneira ecoam feito meteoros despencando no deserto frio do Arizona. Pedras perdidas que rolam do céu e explodem igual os estalinhos de São João. E eu acendo a fogueira no meio do quarto e canto, danço com apaches bizarros enfeitados com cocares de pena de urubu. E a noite escorre trôpega entupindo as artérias da vida com a possibilidade do absurdo. Penso em índios mais vestidos que os daqui, em deuses mais misteriosos, em tempos menos apáticos, em lugares menos escaldantes, penso em João Batista que falava de mudar caminhos para encontrar a luz, se recolher para entender melhor a nós mesmos. Mas eu nem sei se gosto tanto assim de mim, só acho mais perguntas ao invés de respostas e já tá tão tarde, eu acho que a luz dói nos olhos, acorda quem não deveria, começa o que deveria parar...

      Então eu decido que antes de tudo desmoronar, enquanto ainda posso mandar a lógica pra perto da puta que o pariu, levo tua mão à boca pra beijar teus dedos e sentir o gosto do teu passado. Te dou um colar de dentes de coiote e peço a Geronimo pra benzer nossa união: sacramentada em solo sagrado, testemunhada por fantasmas que manterão nosso segredo selado em suas bocas de línguas amputadas. Depois a gente fica abraçado sentindo o chão tremer enquanto caem os meteoros, que só não nos atingem por dó. Não demora começam a dançar em volta da fogueira, felizes por estarmos juntos ali. E, de repente, nossos rumos se cruzam, o universo conspira a nosso favor, quem sabe as coisas se acertam... Nem que seja só até daqui a pouco, antes de começar o barulho, dos apaches morrerem de novo, dos meteoros não extinguirem mais ninguém e de varrerem as cinzas, que eu tive tanta pena de fazer, pra debaixo do tapete.

“Agora vocês não apanharão chuva, pois cada um de vocês será abrigo um para o outro. Agora vocês não sentirão frio, pois cada um de vocês será a fonte de calor do outro. Agora não há mais solidão, pois cada um de vocês será a companhia do outro. Agora vocês são dois corpos, mas havia apenas uma vida antes de vocês. Agora vão para seu lar para celebrar os dias de sua união. E que seus dias sejam longos e bons sobre a Terra”.

Oração apache.

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