sábado, 28 de abril de 2012

Cansaço.

      A resolução lhe colocou em posição fetal sob a cama que recendia a sexo. Ela refletiu muito antes de finalmente se acertar com suas opções. O foda de escolher é que todas as alternativas se anulam e, em universos paralelos, certamente seguimos futuros com menos remorsos e corações mais leves. Se formos sinceros conosco, vamos perceber que temos bem mais arrependimentos do que nosso orgulho nos permite admitir.

     Vivian, infelizmente, não conseguia deixar de confessar pra si suas culpas. Estar ali regredida, além de fodida, era consequência direta da sua inabilidade de ignorar o que não lhe convém. Dentre as coisas que não lhe convém estão: programas de auditório, fanáticos religiosos, shampoos com vida útil prolongada através do acréscimo de água, conversar com alguém com pelos avulsos saltando do nariz e se apaixonar.

     Depois de gozar, ela sentiu vontade de escrever poesia concretista e, a partir daí, soube que estava fadada a tomar no cu. Inventou uma desculpa qualquer pra dispensar o cara e, se pudesse, arranjaria um pretexto ainda mais idiota pra extingui-lo do universo. O cara, longe de ser um mau caráter, havia a pouco começado uma amizade com Vivian que teria tudo pra se prolongar pelos anos. Mas ela preferiu sacrificar os laços antes que eles pudessem se transformar em nós, enfeites pra presentes, ou algo ainda mais triste e assustador pra complementar essa metáfora.

      Verdade é que, independente da nossa capacidade de antecipar ou substituir dores, certas angústias são inevitáveis. Vivian classificava a sua dor como um efeito colateral de um remédio amargo. No entanto, sejamos realistas, se houvesse remédio pra esse tipo de coisa, a indústria farmacêutica seria rica a ponto de dominar o mundo e seus magnatas poderiam, sem dificuldade, comprar o trono do Papa.

      Tomada a decisão, Vivian se afastou e deixou que o tempo fizesse o que ele faz de melhor desde sempre: desfazer as coisas. No entanto, haviam lapsos e silêncios que entrecortavam as obrigações diárias e a memória, infelizmente, é bicho que tem vontade própria e não pode ser castrado. De repente, a distração virava tratamento homeopático enquanto o sentimento crescia descontrolado entupindo de merda o cérebro de Vivian. Mas ela resistiu confiante, se enganando como podia, enquanto a DST lhe comia as carnes.

      Numa noite de insônia (se seguiram muitas noites em claro depois da tragédia), Vivian estava relembrando a última vez que havia lhe visto. Os olhos molhados implorando explicação, o desconsolo quase infantil de criança deixada na porta do orfanato, a postura cabisbaixa de quem é humilhado com um chute no saco. Revisto assim, ele parecia mais um menino inofensivo e frágil, carente de afago, do que um homem inconsequente capaz de provocar qualquer contrariedade. Vivian chorou e se lamentou sem culpa naquela noite.

      Mas, como quase tudo que é adiado, aquilo já havia passado do ponto e se tornara tarde demais. No coração sobrecarregado de Vivian, o sangue amargado entupiu a aorta, o ventrículo direito e, a essa alturas, as valvas enlouqueceram. Ela ainda soluçava e balbuciava o nome dele quando seus átrios se contraíram pela última vez. A pressão do sangue que entrava naquele beco sem saída foi tão grande, que o coração de Vivian, resignado, simplesmente explodiu. E, na verdade, a paixão escondida na caixa torácica era apenas 265 gramas de músculo cansado.

Um comentário:

Louise disse...

Não li todos, mas de todos meus olhos conheceram, este é o melhor. Gosto do jeito de envolver suas palavras majestosas com tanta simplicidade por "tomar no cu" ou "gozar". É um verdadeiro tapa na cara.