sábado, 11 de fevereiro de 2012

Não fui eu.

      A porta abriu e ela estava lá com um vestido floral branco, uma bolsa vermelha e uma sandália de dedo. Ele achou o vestido infantil demais, mas isso foi depois de acha-la linda pra caralho, então não teve muita importância. Ela usava fones de ouvido e olhava pra o teto. Ele vestia uma camiseta verde com a foto de um simpático zumbi comendo uma loira peituda. Ela ia pra o décimo quarto e ele apertou o botão do nono. Antes disso, no mesmo milionésimo de segundo em que o cérebro do cara reagiu à imagem dela, ele bolou instantaneamente o plano que faria a moça se apaixonar por ele.

      A tática era muito complexa e extremamente bem trabalhada. Consistia numa abordagem direta que plantaria a sementinha da paixão na raiz do inconsciente da moça. O plano era: apertar o botão de emergência do elevador e simular um ataque de pânico. Dessa forma, ela perceberia, sem perceber, que ele não era sem graça e previsível como a maioria composta por quase todos os outros caras. Afinal, transtornos de ansiedade compulsivos e esquizofrenia crônica são coisas que só afetam pessoas com tendências a serem muitíssimo legais.

      Quando a porta fechou, ele esperou ela tirar os fones ou pelo menos lhe lançar uma olhadela de canto de olho. Mas a menina preferiu fingir que ele nem estava lá e continuou com os olhos fixos no teto espelhado. Então, ele sorrateiramente se posicionou em frente ao painel de números e deixou o indicador direito escorregar até o botão vermelho. O elevador parou de forma brusca, o que não estava nos planos. A menina se desequilibrou e deu uma puta cabeçada numa das laterais, o que também não havia sido planejado. E quando eu digo “puta cabeçada”, eu me refiro a uma pancada forte o suficiente pra deixar uma pessoa inconsciente o que, aliás, foi o que aconteceu.

      Ele ficou lá olhando pros lados com uma cara de “não fui eu”. Depois percebeu que não tinha mais ninguém ali e foi socorrer a garota. Mas a tragédia estava consumada e um filete de sangue escorria pela testa dela. Daí o cara que fez a coisa mais sensata que poderia fazer: começou a gritar como uma criança recém-acordada no meio da madrugada por um Teletubbie. Felizmente, já no terceiro berro ela acordou desnorteada. Ele aproveitou o momento, quase tão dramático e comovente quanto o final de Titanic, pra abraça-la forte, como se em seus braços ela não pudesse retornar às garras da morte. As lágrimas em seu rosto camuflavam a vontade de roçar o peito dela contra o seu. Daí ela gentilmente falou:

_ Me solta, porra!

_ Desculpa! Eu pensei que tu tinha morrido de verdade!

_ Como alguém pode morrer de mentira, cara?

_ Jesus morreu de mentira. Foi apenas um gracejo dele.

_ Do que tu tá falando, doido? Por que tu apertou o botão pro elevador parar!?

_ Eu não apertei nadinha.

_ Claro que tu apertou, eu vi!

_ Ê, para de graça. Tu não viu nada.

_ Doido, tu apertou a merda do botão!

_ Não apertei!

_ Beleza. Te afasta de mim, por favor.

Silêncio infinito de dez segundos. Ela tenta desesperadamente fazer o celular funcionar.

_ Olha, já que o elevador deu prego, a gente poderia conversar...

_ O elevador não deu prego! Eu vi tu apertando a porra do botão vermelho!

_ Eu não apertei! Tu tava delirando por causa da pancada!

_ Eu só levei a pancada porque tu parou o elevador, seu idiota!

_ Não grita comigo! Tu tá me assustando!

_ Eu tô te assustando!? Tu é retardado ou quê!? Eu quem devia tá morta de medo de ti, seu doente!

_ Não fala assim comigo! Eu só queria que tu me amasse!

_ Puta que o pariu! Escuta aqui, cara, se tu não parar de falar comigo e ligar pra alguém me tirar daqui eu vou chamar a polícia!

_ Não grita!

_ Eu grito sim, caralho! Como tu ia te sentir se tu tivesse indo pra casa do teu namorado e no caminho um retardado para a porra do elevador e tu desmaia!?

_ Eu não tenho namorado!

_ Claro que tu não tem namorado, tu é um louco!

_ Eu não tenho namorado porque eu não sou gay! Se eu fosse eu com certeza teria um namorado!

_ Cala a boca, merda!

_ Por quê tu continua gritando comigo!?

_ Vai tomar no cu, eu grito o quanto eu quiser, seu filho da puta!

      Ela partiu pra cima dele com a bolsa vermelha em riste disparando tapas e bolsadas em sua cara. Ele tentou se defender como pôde, chorando que nem menino, num misto de medo, arrependimento, humilhação e vontade de fazer cocô. “Para, sua louca!”, “Tá doendo!”, “Minha pele é sensível! Tu vai me deixar cicatrizes!”, “Não fui eu! Juro por Deus!”, “Sou frágil demais pra isso!”. Mas quanto mais ele apelava, mais ela batia enfurecida e a essa altura já estava totalmente fora de si. Então, ele reuniu as forças, fechou os olhos, soltou um grito e a empurrou pra longe. O problema é que não dá pra ir muito longe quando se está presa num elevador, daí ela bateu a cabeça na porta e apagou de novo. Ele olhou incrédulo depois fez a coisa mais sensata a se fazer: começou assoviar aquela musiquinha que o Godinez assovia pra irritar o professor Girafales. Fingiu que não era com ele e esperou o tempo passar.

 

booooooom.

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