sábado, 27 de agosto de 2011

Domingo de manhã.

      No domingo de manhã minhas pálpebras pesavam mil quilos. E eu rolei na cama procurando fiapos de sono, fazendo força pra me desligar. Fiquei imaginando lugares em que nunca estive, pessoas que eu não conheci, histórias que eu não protagonizei... Mas eu já havia gastado toda vontade de dormir e sobrava aquele mal estar de quem quer ficar inconsciente e não pode. Bater com a cabeça na parede até desmaiar não era uma opção. Me enfiei debaixo dos cobertores e desejei sumir. O domingo prometia ser igual ao sábado e, apesar de não gostar da ideia, não tinha motivação nenhuma pra fazer qualquer coisa diferente.

      Às vezes, por mais que eu saiba que não é assim, a vida parece inviável. Eu via aquele dia se estender como uma sucessão de horas que eu precisava preencher e não sabia como. Não que eu não tivesse coisas a fazer, pelo contrário: o que eu não tinha era a menor vontade de fazê-las. Porque tive a impressão de que tudo que envolvesse sair debaixo dos lençóis resultaria só em esforços sem compensação. Tentei me livrar do desinteresse que sentia por tudo e qualquer coisa, no entanto, pra cada pensamento positivo que me ocorria outro negativo o anulava. Era como uma areia movediça que me afundava mais à medida que tentava sair da lama. A sujeira era só minha e me doía assumir a responsabilidade dela.

      A pouca luz que entrava resumia os objetos do quarto a vultos e eu me distraia inventando detalhes pra eles. Pintava o violão de outra cor, dava novos títulos aos livros, batizava com outros nomes os DVDs, colocava outras pessoas nos porta-retratos. Não era melancolia o que eu sentia, era pior: sentia ausência. Quando sentimos falta, sabemos que precisamos de algo pra nos suprir. Mas se temos dentro uma ausência, só nos resta preencher o vazio com a consciência que temos dele. Mas aí um lampejo de esperança me veio numa memória que eu parecia ignorar até então. Lembrei da existência deles e meu coração se encheu de graça. Porque, de repente, eu percebi que podia me salvar de mim mesmo. Deixei de frescura, fui à despensa, peguei o embrulho. Passei a manhã comendo chocolate e vendo Bob Esponja. Depois de eu me achar idiota, a vida me pareceu boa pra caralho.

sábado, 20 de agosto de 2011

Relógio de pulso hipnotizador.

      Quando Vinícius me contou que estava amando Cristina eu gargalhei da cara dele. Ele ficou me olhando puto e acho que, se eu não tivesse parado a tempo, teria levado um murro na cara. Foi uma reação muito natural e incontrolável, sabia que ele estava falando sério, mas não pude evitar. Não ri pra avacalhar nem em desrespeito ao que ele dizia sentir: eu ri porque achei aquilo absurdo demais. Tão incoerente que eu não consegui acreditar. Os defensores do amor romântico podem argumentar dizendo que o amor é incompreensível, que nasce mesmo nas situações mais improváveis e que eu não deveria ser tão cético. Mas eu digo que amores são coisas pessoais demais e pra cada um deles há razões que os sustentam. Eu conheço o Vinícius melhor que ele mesmo e conheci Cristina o suficiente pra saber que não tinha nada ali. Conversei com ela duas ou três vezes, não sei ao certo, só sei que depois da primeira as outras foram por obrigação pessoal.

      Apesar de bem bonita e de ser muito agradável olhá-la, Cristina era totalmente idiota. A idiotice dela era tão grande que nem pra ser engraçada servia. Ela era mais tapada que uma caixinha de café embalada a vácuo. E chata. Nós não conseguimos conversar sobre nada porque o único assunto que a interessava e que, aparentemente, ela dominava era ela mesma! Falava de suas viagens, falava de seus projetos, de suas amigas e falava com o entusiasmo de quem acredita que todos os ouvintes estavam realmente interessados em ouvir o que ela tinha a dizer. O pior é quando ela resolvia contar piadas que provocavam tristeza de tão ruins e nos obrigavam a nos olhar totalmente desconcertados e sem saber o que fazer. Até Vinícius se sentia constrangido. Se nós vimos Cristina de novo, foi só porque ele achou errado os amigos não terem contato com a namorada. Errado era ter uma namorada daquelas.

      Eles se conheceram numa noite infeliz em que decidimos ir a uma boate pra ver como é. Na verdade, quem decidiu foi o Diego, nós fomos porque não conseguimos fazê-lo mudar de ideia. Ficamos vinte minutos lá dentro e mais uns trinta segundos Vinícius estaria salvo. Íamos saindo quando Cristina se aproximou e falou qualquer coisa no ouvido dele que o fez querer ficar lá. No outro dia Vinícius apareceu dizendo que tinha achado a mulher de sua vida. Falou brincando, mas eu imediatamente soube que ia dar merda. Começaram a namorar uma semana depois daquele dia e aguentaram mais três meses. O problema é que Vinícius não era mais o Vinícius. Ele se tornou um cara inseguro, vivia em função dos ciúmes idiotas de Cristina, fazia todas as suas vontades, quase parou de falar conosco, começou a nos evitar e passou a gastar todo o tempo livre com ela e seus amigos.

      Um dia resolvemos dar uma prensa em Vinícius, fomos eu, Diego e Marcelo até sua casa sem avisá-lo. Ele estava péssimo e realmente precisava desabafar. Contou que não conseguia parar de pensar em Cristina: que sentia necessidade dela em todos os momentos do seu dia; que não aguentava ficar longe; que sentia o seu cheiro por todos os cantos; que aguardava com uma ansiedade incontrolável o dia nascer pra revê-la; que tinha insônias terríveis por causa disso; que tinha vontade de morrer em seus braços; que começou a escrever poesias; que queria ter cinco filhos com ela e mais um monte de coisas horríveis desse nível que não lembro agora, mas que reforçaram a ânsia de vômito que senti. Foi aí que ele disse que a amava e que eu ri. Marcelo me olhou feio e eu imediatamente fechei a boca. Ficamos uns dez segundos calados, sem saber o que dizer, e o Vinícius com cara de criança chorona esperando algo. Então Diego lavou nossas almas quando traduziu em uma pergunta simples tudo que queríamos saber:

_ Por quê?

_ Por quê o quê? Perguntou Vinícius.

_ Por que tu ama ela?

_ É! Por que tu ama ela? Perguntamos eu e Marcelo quase ao mesmo tempo.

_ Eu já disse! Eu não consigo ficar longe dela, eu penso nela o tempo todo, fico ansioso quando...

_ Não! Interrompeu Diego. O que a gente quer saber é por que tu não consegue ficar longe dela, por que tu não para de pensar nela, por que tu fica ansioso etc.

_ A gente quer saber o porquê de tu amar ela. Explicou Marcelo.

_ Eu sei lá! Eu simplesmente amo, ora! Falou Vinícius.

_ Negativo! Ninguém “simplesmente ama”. Disse Diego.

_ Sim! O que tu admira nela, por exemplo? Perguntei pra ajuda-lo, mas também porque estava realmente curioso pra saber se aquela mulher tinha alguma qualidade.

_ Bom... Eu admiro... o... o... sorriso dela... o... a determinação dela... e... e... e... sabe, ela é uma mulher muito forte. Vinícius respondeu hesitante, gaguejando, fazendo um esforço sincero pra lembrar o que gostava nela. E não foi nem um pouco sincero.

      Ficamos olhando pra ele penalizados. Nós três sabíamos o que dizer. No fundo, Vinícius também sabia, só preferia ignorar aquilo na esperança de ser um cara mais “nobre”. Como se renegar sua natureza fosse sinal de moralidade e não de desonestidade. Se ele não fosse tão covarde e encarasse aquele negócio com a importância que merecia, não teria ficado tão mal. Não estou dizendo que era algo irrelevante: se fosse, não teria deixado Vinícius daquele jeito. Além do mais, por trás de muitas coisas há essa vontade franca e inegável que muitos preferem simplesmente ignorar. O que eu quero dizer é que ele estava interpretando tudo errado e confundindo as coisas, acho que foi isso que o levou a virar um idiota. Acredito que quando nós reconhecemos os motivos que nos levam ao sofrimento, ele se torna compreensível e pode ser superado. Psicólogos ganham dinheiro assim, parece. Enfim, depois de um tempo o silêncio ficou insustentável. Como nem um dos dois parecia nada confortável pra dizer o que precisava ser dito e eu já estava ficando impaciente, respirei fundo e disse:

_ Vinícius, tu só quer comer ela loucamente. Sei que não foi uma boa maneira de colocar as cartas na mesa, mas pra mim aquilo era óbvio demais e fiquei chateado porque meu amigo nunca teve surtos de estupidez antes. Acho que era a convivência.

_ O quê!? Porra! Claro que não! Ele negou, como eu esperava.

_ Sério, Vinícius, a gente perguntou o que tu admira nela e tu mal conseguiu falar três coisas! Falei indignado.

_ Tu nem mencionou coisas como caráter, inteligência, senso de humor, bom gosto, compreensão, honestidade, companheirismo, sensibilidade... Completou Marcelo, mais paciente que eu.

_ Ela é carinhosa... Choramingou Vinícius.

_ Pelo amor de deus, até um cachorro é carinhoso contigo se tu der comida pra ele! Me arrependo agora de ter dito isso dessa forma.

_ Vinícius, fala de novo pra gente o quê tu mais gosta na Cristina, mas dessa vez vale atributos físicos. Diego insistiu pra que ele assumisse e eu achando aquilo tudo besta, besta, besta.

_ Tá bom... Eu acho ela linda e o sexo com ela é maravilhoso. Satisfeitos? Ele contou isso bem mais aliviado e eu entendi que tudo ia fica bem.

_ As três qualidades de Cristina: cara, peito e bunda. Falei sorrindo pra quebrar aquele clima de velório desnecessário e fiquei satisfeito quando todos riram.

_ Porra, cara, como é que tu vai te apaixonar por uma mulher daquelas? Perguntou Marcelo sorrindo.

_ Ah, só transando com ela pra saber! Respondeu Vinícius com um sorriso largo.

_ Ela fica calada depois pelo menos? Perguntei de novo mais interessado em saber como ele a aguentava por tantas horas consecutivas do que pra realmente confortá-lo.

_ Ela fica sim! Eu nem presto muita atenção no que ela fala, pra falar a verdade, a beleza dela me hipnotiza. Ele já estava muito melhor e isso deixou todos à vontade.

_ Nem se ela soubesse balançar um relógio de pulso hipnotizador com o mamilo!

      O Marcelo filosofou rindo e deixou todos nós chocados com aquilo. Olhamos pra ele o reeprendendo pelo mal gosto e pela falta de bom senso. E eu já ia começar um discurso sobre isso quando não nos aguentamos mais e começamos a gargalhar satisfeitos acrescentando detalhes à cena, felizes por aquele negócio tosco ter se resolvido sem a necessidade de castração.

sábado, 13 de agosto de 2011

As Três Fases da Tua Vida.

      Há três fases na vida... Mentira, eu sei que essa é uma maneira estúpida de começar, eu espero que lá pelo meio melhore um pouquinho. A verdade é que eu não quero que isso fique muito pessoal, o que me obriga a ser idiota e generalizar desse jeito. Vou usar a segunda pessoa porque vai me deixar mais confortável e, talvez, até ajude a criar alguma empatia. Como ia dizendo, é claro que viver é uma experiência subjetiva demais pra eu dividir em etapas e explicar cada uma delas de maneira isolada, como se não se cruzassem tipo, sei lá, partes da resolução de um problema de física. Também é imbecilidade acreditar que as experiências pelas quais passaram cada um que está lendo isso agora os levaram às mesmas conclusões. Assim como é inútil tirar conclusões absolutas a respeito da vida já que elas só servem pra nós mesmo e, enquanto vivemos, precisamos estar acessíveis a mudanças. O que penso agora pode não me servir muito depois. Ou seja, eu posso estar escrevendo um texto gigante que, provavelmente, vou achar muitíssimo idiota daqui a pouco.

      A visão que temos de nós mesmos, que necessariamente afeta a maneira como enxergamos o mundo e lidamos com as coisas, muda conforme o tempo. Em maior ou menor grau de intensidade, não seremos mais os menos daqui a alguns anos. Claro que a partir de um determinado momento tais mudanças tendem a diminuir, a ficarem sutis demais pra que as percebamos: felizmente, ganhamos certa estabilidade. É inviável viver em crise. O que não significa que eu esteja plenamente de acordo com o que vou dizer quando chegar à etapa três e concluir este texto. Tenho só vinte anos e qualquer coisa que eu diga sobre a existência ou a respeito do porquê disso ou daquilo vai sempre parecer precipitado, pra não dizer prepotente e babaca. Enfim, agora que já reconheci minhas limitações e justifiquei metade das baboseiras que vou escrever, posso explicar a vida sem muita culpa.

      Há três fases na vida. Na primeira tu quase não tens consciência da gravidade que é estar vivo. A menos que tenhas experimentado a morte de alguém próximo na infância, a vida não passa de uma sucessão de dias mais ou menos iguais. Tu não percebes o quão entediante eles são porque ocupas teu tempo livre com brincadeiras que, apesar de simples e bobas, te satisfazem. As relações sociais são ingênuas e as pessoas, sem que te dê conta, se parecem bem mais do que realmente são. Dizer só a verdade, na maior parte das vezes, parece o único caminho viável e tu não sabes direito como podes usá-la pra ferir as pessoas. Neste primeiro momento, as fantasias e invenções não terminam em decepções porque as expectativas que crias não dependem muito dos outros pra serem satisfeitas. Quando são frustradas, é muito fácil trocar por outras novas. O mundo é um lugar muito pequeno e a felicidade está ali, mas é ignorada. E talvez só esteja ali por isso.

      A segunda fase é a da desilusão. O conhecimento que colocam na tua cabeça com o passar dos anos desperta em ti uma curiosidade insaciável. Tu buscas, de forma masoquista, cada vez mais tentar compreender o que acontece e isso acaba mudando tua visão de mundo. Tu notas que há coisas muito erradas por aí e, de repente, tudo parece fora do lugar. Percebes que as pessoas, apesar de diferentes, têm em comum o dom de se contradizerem e um egocentrismo irritante. Começas a sentir um tédio inexplicável e um desinteresse patológico toma conta do teu espírito cansado de fazer quase nada. A existência adquire uma carga absurda e tu sentes o mundo pesar sobre os ombros: mal podes seguir em frente por causa das pernas hesitantes e da ligeira dor de cabeça que tens quase o tempo todo. O que te salva são fiapos de esperança que tu usas pra romantizar boas expectativas em situações cujas chances de acabarem bem são ridículas. E tu sofres voluntariamente com o que inventaste como se isso não fosse óbvio. Tu te sentes vítima de um lugar desregulado e te enoja ter dentro de ti a natureza humana responsável por tantas coisas revoltantes. A vida parece um martírio e tudo que há a se fazer é tentar se distrair pra esquecer isso.

      Enfim, a terceira e última fase eu chamo carinhosamente de “foda-se”. Tu finalmente começas a perceber o quanto é estúpido te deixar abater por problemas minúsculos comparados aos que têm bilhões de outras pessoas menos egoístas que tu. Tomas consciência do atraso de vida que era dramatizar tudo que te acontecia e ganhas certa serenidade e paciência pra lidar com as coisas. Aprendes a ser menos radical e intolerante com quem teve a sorte de não chegar ao teu grau de prepotência. Abres o peito pra encarar o que vier: te entregas consciente, sofres sem culpa, levanta, segue em frente um bocadinho melhor do que era. Ao invés de desprezar, passas a valorizar as pessoas que gostam de ti: a prestar atenção nos seus detalhes, ouvir o que têm a dizer, a lidar sem arrogância com seus defeitos. Tu escolhes acreditar nas coisas boas de novo e, tal qual na primeira fase, não perdes tempo sufocando com as ruins. Aceitas, enfim, que é inviável se estressar com o que está muito além da tua desprezível vontade: só o que resta é fazer tua parte e torcer pra que o resto se encaminhe. Tu juntas uns bons amigos, aproveitas como pode o que a vida tem a oferecer, investes no que sabes fazer e no que te dá orgulho e vai seguindo. Então tu percebes que viver nem é tão complicado assim. Passas a encarar a existência como algo absurdo demais pra ser levado tão a sério e adquires um fantástico cinismo que, além de sadio, é muito, muito divertido. Aí teu senso de humor não te deixa mais te enfiar nela, e tudo que fazes é rir da cara da merda.

sábado, 6 de agosto de 2011

Esse sábado eu resolvi fazer um post diferente…

 

 

       Juro que essa historinha aconteceu de verdade. Aliás, aconteceram algumas muitas coisas essa semana, mas eu não quero falar disso agora.

       Grato aos que ouvem. Até semana que vem. :)