quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Memórias Póstumas De Um Quase-Anônimo Qualquer.

 

       Enquanto os outros corriam, gritavam, corriam e gritavam ao mesmo tempo, eu bocejava. E a pressa que impulsionava todo mundo esqueceu de me dar corda. Daí sobrou pra mim ficar reparando a bagunça. E eu achava engraçado: era uma ânsia tão grande de viver, que as pessoas iam vivendo de qualquer jeito. Eu preferia ficar parado até eu saber onde eu queria chegar. Mas eu acho que, pra eles, não importava muito onde se queria chegar, o importante era ir. Mas eu não ia: quase ninguém se importava com as coisas que me importavam, eu é que não ia ficar supervalorizando as importâncias dos outros. Eu via o pessoal indo, indo, indo… E dava vontade de dizer: “Calma!”. Eu queria falar que, vivendo todas aquelas coisas ao mesmo tempo, ninguém ia conseguir aproveitar direito nenhuma delas. Eu acho que as coisas necessitam de paciência e dedicação. Se tu vive uma coisa de qualquer jeito, acaba que não vive ela direito. Mas se eu dissesse isso iam me chamar de louco, e eu podia ser preguiçoso, mas louco eu não era.

       Também notei que todo mundo queria aparecer. Tiravam fotos, twittavam, berravam, dançavam… E, sabe, eu nunca entendi isso direito. Eu toda vida achei que mais importante do que quem tu é, é o que tu faz. Bom, eu sempre procurei dar atenção às coisas que eu fazia, até porque eu era mais tímido do que interessante. E, além disso, ora, minha vida só dizia respeito a mim. E, meus deus, por que as pessoas queriam ser vistas se elas não tavam fazendo nada? Elas só tavam vivendo, viver todo mundo vive. Acho que era pra fazer inveja: pra mostrar aos outros que, enquanto eles seguiam suas vidinhas paradas ou não podiam viver daquele jeito, ali estavam elas: eufóricas e afobadas. Mas a minha vidinha foi bem parada e eu nunca me importei com isso, não. Porque, sabe, eu gostava de observar, de interpretar, de ouvir… Como é que eu ia enxergar se eu estivesse sempre preocupado em ser visto?

       Eu lembro como se fosse hoje. Acho que eram umas dez ou onze da manhã e o céu tava azul, azul, azul. Assim mesmo, três vezes azul. Era um azul tão bonito que eu não conseguia tirar os olhos dele. Não sei quanto tempo fiquei lá em pé no meio de tudo, encantado com aquele céu. As pessoas me olharam, depois olharam pra cima e não entenderam nenhum de nós dois. Eu disse que eu iria ficar ali um pouquinho. E, sim, eu sei que o céu tá em todo canto, mas eu gostei daquele pedacinho. Eu tava cercado de gente, mas eu acho que se cansaram de mim e foram embora. Eu lembro de ter ouvido alguém me chamar sem muita esperança de eu ir  e eu não fui mesmo. Fiquei sozinho olhando o azul. Se eu me concentrar bem, ainda consigo sentir o cheiro de maçã-do-amor misturado com o de pipoca. Era um cheiro tão bom que eu fechei os olhos pra cheirar direito. Então eu ouvi o grito que foi a última coisa que eu ouvi. Quando eu abri os olhos já não tinha mais jeito. O carrinho de algodão-doce já tava a toda velocidade descido da ladeira, com pressa de me matar.

        Às vezes eu penso que se eu fosse um pouquinho menos lerdo eu estaria vivo. Mas fazer o quê, né? A vida era imprevisível demais, uma loucura. Pelo menos eu tive uma morte  memorável. Não me perguntem como, mas alguém filmou e colocou no Youtube. Quase todo mundo já viu! Eu aparecei até em programa americano. Tenho crises de risos quando penso nisso. Ando rindo mais. Morrer melhorou muito meu humor. Ora, se eu não sou lembrado pelo o que eu fiz, pelo menos sou lembrado pelo jeito que eu morri. Por mim tudo bem: só tinha medo que me lembrassem por quem eu fui, porque quase todos me achavam meio chato. Mas, sabe, até que desse lado não é tão ruim: tenho tempo de sobra pra olhar os outros, e, mesmo se eu tivesse pressa, ela seria inútil aqui em cima. Ainda não descobri se vou ter que viver outra vida ou não, mas essa é minha única preocupação: me manter morto. Ah! O pessoal até chorou! Depois eles riram, mas não tem importância. Felizmente estavam todos seguros na montanha-russa.   

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Mini-tragicomédia moderna.

 

Quarta-feira. Noite. Restaurante italiano. Mesas vazias. Dois caras de terno e gravata. Pratos de espaguete. Copos de Coca-cola. Garçons entediados observando o trânsito parado. Cheiro de vinho tinto. Novela na LCD. Dores de cabeça. Preocupações. Dois pontos.

_ Porra, cara, às vezes fica foda, né? Respira fundo.

_ Hã? Pensando em uma resposta.

_ Lá... Às vezes fica foda. Esperando o silêncio.

_ Às vezes fica, mas a gente é pago pra se ferrar também. Esboço de riso.

_ Preciso viajar, tirar umas férias. Desfaz a postura.

_ Isso todo mundo precisa... Mas sem grana não tem férias, é por isso que a gente se ferra. Gole de coca.

_ Se fode. Corrigindo.

_ É, a gente se fode... Corrigindo-se.

_ A gente se fode pra parar de se foder um poquinho? Segurando o riso.

_ Caralho... Não sabia que tu também é filósofo. Gargalhando tímido.

_ E eu não sabia que tu falava “caralho” e conjugava o verbo “foder”. Soltando o riso.

Conversas. Saídas. Revelação. Alegria. Três meses. Tiraram férias. Viajaram. Se foderam. Tudo ao mesmo tempo. Casaram na Argentina. Adotaram um vira-lata. Foram discriminados. Um se matou. O outro entrou em depressão e morreu. Ponto final.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Cartinha ao leitor.

 

      Tempão, hein? Lembro da época em que eu ficava angustiado quando não tinha post novo toda semana. Lembro que eu me espremia até sair qualquer coisa... Bom, não era difícil: Eu vivia carregado de coisas (ruins, a maioria). Lembro que eu comecei dois livros intermináveis e uns quatro casos sem solução. E eu era dramático e ingênuo. Complicava coisas simples de um jeito tão sincero que até ficava bonito. Eu era esperto como sou esperto agora, mas era teimoso inventando verdades que eu não podia acreditar. Eu escrevia pra me libertar, pra me compreender, pra me fazer entender, pra ferir, me ferir... Escrevia por vaidade. Pra mostrar que eu sei fazer. Por sadismo e um pouquinho de masoquismo também. Pra me sentir útil e pra eu reconhecer o meu valor. Pra receber elogios e amenizar minha insegurança. Pra desconstruir neuroses criando outras. Acho que eu escrevia porque era necessário.

      Agora não é mais necessário. Eu gosto de escrever, mas, aparentemente, gosto mais de fazer outras coisas. Preciso aprender a fazer o blog sobreviver a isso. Eu acho que curei minha insegurança crônica (ou quase isso). Resolvi dramas que eu pensava que eram mortais. Passei a conviver e a aceitar meus sentimentos sem supervalorizar besteiras. Descobri que muita gente já disse o que eu já disse antes de mim de um jeito bem melhor que o meu (opinião pessoal). Não sinto mais falta de elogios de estranhos pra me provar que eu faço isso bem. Faz tempo que não sinto o impulso de escrever que vinha, geralmente, quando eu tava melancólico e introspectivo me entregando ao tédio, quase que de propósito, pra me lamuriar depois aqui. Aprendi a dizer o que eu quero dizer sem ser prolixo, sem envolver tudo numa trama absurda ou numa construção poética cheia de sinestesia e metáforas loucas, como se o meu ponto de vista fosse importante ao ponto de justificar tantas palavras. Devo ter amadurecido.

      Escrever dá trabalho e exige uma disciplina que eu não tenho. Eu faço com certa naturalidade, mas não é simples. Faz quase duas horas que to digitando e apagando e só sobraram dois parágrafos. É um trabalho que eu não preciso ter, ainda. Vou ser jornalista, sabe? Aí vão me pagar pra eu escrever. Não quero desmerecer os comentários de quem comenta, eu valorizo muito isso. Milhões de coisas distraem a gente na internet, dedicar dois minutos pra emitir uma opinião é algo muito significativo. Mas eu tenho outras prioridades. Tipo... Sei lá, jogar videogame. É mais divertido que escrever. Me cobro quando digito. Eu sou muito autocrítico. Aliás, to achando isso tudo uma merda e se tu estás lendo isso agora é porque eu já liguei o foda-se e isso era pra ser uma conversa... O que é meio ridículo, porque eu to falando sozinho faz quase duas horas... Enfim, o que vocês tem a dizer? O que vocês querem ler? Perguntas é que não é, né? Se eu fosse vocês só responderia: “Algo melhor que isso”… Mentira, não falaria nada, tenho preguiça. Até mais.