sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Vago.

      

      Tranca a porta e suja os papeis. E inventa, mesmo que seja errado, inventa. Lá fora as pessoas se agrupam, mas não se compreendem. Falam, mas não se explicam. Mas tu podes justificar a incompreensão e matá-la. As coisas ficam meio sem sentido, às vezes, eu sei. Daí tu precisa criar o sentido, ainda que seja só teu, faz dele tua verdade. Vai, basta olhar em volta e descrever como deveria ser. Nem é tão difícil. Só é te ouvir, ouvir teu silêncio. Longe do barulho desnecessário que tanta gente faz. Aproveita a agonia doce da liberdade. Porque tu és livre, mas não sabes o que fazer contigo. Sente o peso da tua sinceridade desvelando medos. Os medos são sagrados. A luz que entra pela janela ilumina quase nada. E o importante é a luz, não o que ela quase ilumina. Deixa a luz te comover com a fraqueza dela, a inutilidade dela. A pobre claridade tentando mostrar o que não dá pra ser visto. Como as palavras que tu desperdiças tentando expressar o que não tem definição ou forma.

       É só um rio de letras fluindo sozinho, por vontade imprópria. Agora que tu já mergulhaste nele, deixa a correnteza fluir dentro de ti. Brinca com a sensatez que tenta dar coerência às sensações e metaforizar o inexplicável. Ela só serve de desculpa pra ti não te afogar. Sente os poros se abrindo na tua respiração profunda e te entrega à loucura. Não há sanidade quando se perde a lógica. E tu não tens mais nexo. Tu ficas sem coesão e desistes de achar sentidos. Até que apático e quase sem temores, tu morres com o rio. E tu te desfazes indefeso e frustrado. No entanto, não tenho piedade de ti. Eu sinto que algo é belo quando percebo que as coisas que o compõe estão como deveriam estar. A beleza é a única desculpa válida pra vida. Acho bonito teu corpo assim, perdido.

 

Aproveitem. Coloquem uma música delicada e leiam três vezes. Não queria dizer nada de novo, só queria dizer. Na verdade, eu escrevi porque não sabia mais o que fazer. Não que eu esteja desesperado, muito pelo contrário, é que eu fico meio confuso vezenquando. Sei que tem gente que só quer ouvir. Se bobear, alguém vê até beleza nisso. E, como a beleza vai ser pra sempre essencial, talvez isso seja útil de algum jeito. Esse é o meu “alô” pra quem, como eu, acha esse negócio de existir muito estranho.

sábado, 18 de setembro de 2010

Sobre imprevisões.

 

       Não dá pra saber o que vai acontecer. O tempo é uma ideia tão abstrata que qualquer coisa que foge do agora se torna invenção. É inútil ficar analisando, revirando ou discutindo consequências que nem existem ainda. Qualquer suposição, mesmo baseada em uma cadeia infinita de repetições, não passa de hipótese provável. As previsões são apenas brincadeira de adivinhar. A certeza é superstição. A gente não é número pra virar fórmula e variáveis produzindo resultados lógicos e inalterados. Somos mutáveis, inconstantes, surpreendentes, humanos. Os humanos são animais que aprenderam a controlar os instintos e a contrariar a natureza. Somos cheios de defeitos e contradições, mas tomar consciência disso e tentar melhorar foi o que nos faz manteve e nos manterá vivos.

       Sei que muitos de nós causam vergonha e asco e, às vezes, lamentamos por pertencermos a esta raça, mas há outros que compensam os primeiros e nos dão esperança e força. A gente precisa se unir com quem nos compreende pra viver em paz e fazer a nossa parte pra melhorar a merda toda. Uns erros que eu cometi ficaram pra trás junto à parte minha que eles me custaram. A gente muda quando mudamos nossos valores. E eu não pretendo desequilibrar minha balança de novo desvalorizando coisas que me fizeram falta no passado. Sei lá se vou conseguir ou não, mas vou fazer o meu melhor (ou menos pior). Sei que não adianta se preocupar com futuro porque ele é o medo de algo inexistente.

         Viu, migs?

domingo, 5 de setembro de 2010

Chuvinha.

 

      A menina corre pela chuva com a barra do vestido nas mãos. E ela vai desabalada pisando em poças, carros e pessoas. Corre tão despreocupadamente que poderia correr de olhos fechados. E se, por acaso, acontecesse de dar com a cabeça numa árvore desavisada ou de esbarrar com um passante e seu guarda-chuva super-protetor, bom, ela os derrubaria sem piedade e seguiria sua correria como se não fosse nada. Ela não sabe exatamente pra onde vai, mas vai indo assim mesmo. Nem vou tentar entender como ela aguenta carregar essa solidão encharcada. Nem a garotinha sabe. Só sabe que chove e que é gostoso sentir a chuva batendo na cara. Segue nadando, comendo o vento e fazendo calor.

      Mas, de repente, igual a tudo que acontecesse de repente, para de chover. A menininha também para de correr. E ela se vê tão perdida que o desencontro acaba virando tristeza. Ah, se eu fosse o mundo, eu me arranjava e fazia outra chuva bem rapidinho só pra ela voltar a caber em mim direito. Porque agora ela chora um choro imenso e quieto. Um chorinho tão grande e molhado  que faz a  garotinha se lavar todinha da chuva. Então, antes que as lágrimas se acostumassem a nascer sozinhas, ela começa a soltar risos pra acompanhar a choração. E eu fico pensando: ela ri porque não pode fazer nada mais que isso ou porque descobriu que não precisa do céu pra chover? Vai ver é os dois…