segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Despedaços.

 

      Há segredos nos minutos que antecedem o sono. Quando a nossa mente vaga meio sem rumo, mareando águas passadas, buscando se afogar. A gente começa a lembrar de coisas gastas, coisas de longe, agora já são quase rabiscos de coisas. Memórias quebradas cujos cacos a gente não mostra pra ninguém. São nossos quebra-cabeças inúteis, são peças teimosas que não ficaram pelo caminho. Cenas, falas, passeios, risos, dores, umas lágrimas. Qualquer coisa assim que veio junto com alguém que já foi embora. Gente com as quais dividimos uma parte da vida. Dividimos, na verdade, pra multiplicar, pra intensificar. Pra nos permitirmos sermos mudados, pra vermos tudo de outro jeito. Pra nos reafirmarmos sendo diferentes.

      De repente, acontece do que nos mudou se mudar da gente. Ir pra outro lado de um jeito tão estranho quanto veio pra o nosso. E descruzamos nossos caminhos, como se fosse normal, porque a vida é assim mesmo: cheia dessa normalidade aparente pra disfarçar toda nossa incompreensão. E aquele pedaço de vida vira memória. Quem era presente vira lembrança. Às vezes a gente pensa nessas coisas pra ajudar a dormir: tentando enganar o tempo pra ver se ajudamos ele a enganar a gente. E os pensamentos vêm tortos, desfocados. São segredos porque quem os fez foi embora e não pode mais ouvi-los. Daí sobra esse apertinho no peito, uma agoniazinha besta e a vontade de voltar atrás juntando caquinhos. Porque a vida é assim mesmo, toda despedaçada, despedaçando aos pouquinhos a gente.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Saber comer.

 

       Eu gosto da vida porque ela é imensa. Se a vida fosse pequena, repetitiva e entediante, eu não a suportaria. Imagina ter que ver os mesmos seis filmes todo o tempo. Ou ouvir sempre as mesmas oito músicas de um único CD. Ou falar só com as mesmas dez pessoas, entre gente da tua família e colegas desagradáveis da tua pré-escola. Ou passar a vida viajando entre três cidades minúsculas onde não há nada além de duas pracinhas sem nenhuma árvore e uma igreja evangélica extremista em cada uma delas. Ou ler sempre o mesmo livro, um livro universal e sem concorrentes, mais chato que a Bíblia, um maldito livro de autoajuda te ensinando a ser feliz num mundo com poucas coisas pra te fazer feliz, um livro escrito pela Ana Maria Braga! O inferno deve ser assim: um tédio eterno, entre sessões de sadomasoquismo e shows de rock... Ou talvez o céu seja até pior: cheio de anjinhos assexuados (e ainda sim afetados: purpurina rosa, cachinhos dourados irritantes e um sorriso de cu que só representa apatia) tocando harpa 24h por dia dividindo espaço com bilhões de almas morféticas jogando dama numa paisagem feita de nuvens fofinhas que não muda nunca. Por via das dúvidas, prefiro ficar por aqui mesmo.

       Apesar dos pesares, eu pelo menos tenho certeza de que amanhã vai ser inédito. Tá certo que a vida às vezes fica previsível demais. A rotina vira uma sucessão de probabilidades que dificilmente não se concretizam. Mas eu tento sempre colocar algo novo no meu dia: um filme, um cantor desconhecido, um texto, um livro, uma conversa bizarra, um caminho diferente, uma merda qualquer que mantenha meu bom humor. O dia vale a pena por pequenas descobertas. Pequenos prazeres, como cantar no banho. Além do mais, as probabilidades são incertezas, e como diz aquela música do Acioli Neto: “se avexe não, que amanhã pode acontecer tudo e inclusive nada". O futuro é indecifrável e pode sim surpreender a gente se estivermos abertos e nos oportunizarmos a isso. É preciso ter fé na gente, no acaso, nessa expectativazinha saudável de esperar pelo desconhecido.

       Até bem pouco tempo atrás, eu não me permitia e não me ajudava a ser feliz porque achava que se eu não devorasse o mundo todo de uma só vez, eu estaria sendo medíocre. Mas a pior mediocridade não tá no que tu não vives e sim em como tu não vives. Tá certo que eu não tô viajando pelas Europa (ainda!), mas pelo menos eu não sou um idiota com a mente fechada que é totalmente avesso ao novo e ao que não compreende. Entendi que a gente precisa comer o mundo aos pouquinhos pra ir aproveitando direito o gosto das coisas. Hoje comi um filme fodástico do Woody Allen e um CD lindo da Nara Leão. E eu posso ficar despreocupado porque vai ter sempre coisa pra comer. Afinal, somos mais de seis bilhões, né? :D

 

Extras:

      Hoje eu acordei indisposto e meio puto. Eu estudo de manhã, durmo poucas horas à noite e quase todos os dias da semana eu acordo assim, normal. Mas hoje aconteceu uma coisa engraçada. Bom, não muito... Foi divertido, vai. Enfim, na saída eu cumprimentei meio emburrado o porteiro e passei apressado pelo portão. Só que o porteiro não tinha aberto totalmente o portão e eu dei uma cabeçada filha-da-puta nele. Aí o cara ficou me olhando com uma cara de preocupado, eu olhei pra ele e tive uma crise de riso! Eu fiquei rindo passando a mão na cabeça e o porteiro ficou sem saber o que fazer. Acho que ele ficou indeciso entre o gelo e o psiquiatra e escolheu só dizer ‘’cuidado’’.

      Esse negócio que aconteceu hoje de manhã me fez perceber que eu to muito bem. Eu to realmente em paz e equilibrado. Seis meses atrás eu voltaria pra casa e escreveria um texto depressivo praguejando a vida por uma merdinha superestimada. Hoje eu percebi que eu aprendi a ser feliz. Vocês tem culpa nisso, acreditem. Pois então, olhando o layout do blog, eu percebo que ele não combina mais comigo, sabe? Não me identifico mais com esses tons de cinzas pesados, essa coisa densa, dark, melancólica, esse carinha sentado aí, cabisbaixo... Quero mudar. Não o nome do blog, porque ele é ótimo e é desnecessário mudar o nome se eu o fizer significar outra coisa mudando só a aparência do site. Com receio de que seja inútil, vos pergunto: o que acham da ideia? (não que eu não vá mudar de qualquer jeito, mas seria legal ler a opinião de quem se importa com o blog :)

A tal da música é essa, ó:     

 

                           (forropop é um cu, forró de raíz é muito, muito legal :)

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Ao meu amigo tempo.

 

      Quando eu era criança, o tempo pra mim não existia. Não existia porque eu simplesmente o ignorava. Exceto quando as aulas estavam chatas demais, claro. Mas até hoje demoro uns segundos pra ler as horas nos relógios de ponteiro. Nunca usei relógios eletrônicos. Não media o tempo dos meus programas de Tv favoritos. Sabia mais ou menos em que ponto estava o dia pela quentura, vantagens de morar perto do equador. Vez ou outra a noite me surpreendia no meio da tarde. Eu brincava até depois da hora de voltar pra casa. Brincava toda hora. Mesmo quieto, lendo, desenhando ou inventando histórias em papeis amassados, eu tava brincando. Tudo era brinquedo: um carrinho, uma cadeira, um açaizeiro, o espaço entre a cama e o chão, amigos que não existiam... E eu nem sabia, mas meu brinquedo favorito era o tempo.

     A vida fluía tão naturalmente que eu acho que não fazia sentido me preocupar pra onde ela ia. Era tudo tão simples, fácil, divertido. E, apesar da repetição, os dias nunca ficavam entediantes. As coisas, pequenezas, pareciam novas todos os dias porque eu sabia muito, muito pouco delas. Lembro que eu ficava observando formigas: admirando como aqueles bichos tão pequenos, andavam, carregavam coisas, se batiam e moravam na minha casa, igualzinho a mim! Eu queria ser paleontologista pra criar dinossauros. A vida me saltava aos olhos. Às vezes eu olhava pra o céu e ficava esperando uma estrela cair. Meu olhar curioso fazia tudo ficar empolgante e mágico. Ainda não tinha compreendido como funcionavam as coisas, e eu me incluo nelas.

      Bom, se tu leste a atualização do twitter, sabe que eu tô escrevendo isso porque assisti “O Menino Maluquinho”: um dos filmes que marcaram minha infância (“Meu Primeiro Amor” foi outro hahah). Minha infância foi muito parecida a do personagem: dezenas de amigos de rua, um bom lugar pra brincar, invencionices, traquinagens (palavra meiga, hein?), etc etc. Mas, à medida que a gente vai percebendo melhor o tempo, também vai descobrindo que ele leva embora as coisas. Acho que a inocência é a pior das perdas. O mundo não é tão mágico e bonito quanto eu imaginava que fosse quando queria ter uma fazenda de Tiranossauros Rex. Descobri, por exemplo, que diferente das formigas, tem gente que não tem casa nem nada pra carregar, além da própria sorte.

      Mas, sabe, no fundo, eu continuo o mesmo. Como o Menino Maluquinho, que era maluco porque era feliz, eu cresci e me tornei um cara legal. Eu sigo inventado, criando, me divertindo, procurando manter o bom humor e o otimismo, tentando redescobrir velhas coisas (e as pessoas, e me incluo aqui também), me esforçando pra acreditar nelas e no futuro. Apesar de ter tomado consciência Dele (praticamente Deus) e do que pode fazer, continuo brincando com o tempo. São 3:40 da manhã, eu acordo 7:40 e já tô com sono desde as 2. Daqui a pouco vou sair, passar pela pracinha que eu brincava quando criança e olhar o mundo, por mais outro dia, como se estivesse fazendo pela primeira vez. Porque a gente não pode carregar o tempo e não sabe até quando ele vai carregar a gente, então é preciso prestar bem atenção na vida. Ela também continua a mesma: ainda que não sejam felizes todas as horas, viver é legal.

Ó que bonito:

 

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Insônia.

 

    Tu és o zumbido de antes de dormir. E a bala que me acerta a cabeça quando eu recobro a consciência, às vezes assustado por descobrir estar sonhando contigo. Tua sombra é extensão da sombra dos móveis da sala e eu tomo cuidado pra não pisar em ti, cambaleando de cansaço enquanto caminho à cozinha procurando distrair os sentidos com sensações diferentes do aperto que tu me causa no peito nessas horas estranhas. Mas teu gosto tá na pasta de dentes e o teu cheiro no sabonete. E na coca-cola, no chocolate, na maçã, no biscoito, na batata frita, na Tv, debaixo dos lençóis. Tu ocupas os espaços vazios da casa e eu não tou mais sozinho em lugar nenhum. Te encontro quando fecho as palpebras tentando te perder, em vão. Te ouço em músicas que falam de fugas, de alegrias, de descrenças e de ódio. Te leio em crônicas sobre qualquer coisa. Agora todas as palavras, cantadas, faladas, escritas e pensadas te escondem por trás de significados que não tem nada a ver contigo. Tu significas todas elas porque meus pensamentos, minhas palavras, sempre dão um jeito de desaguar em ti. Eu penso em aulas, gente engraçada e cocô, e,  de repente, penso em ti.

      Contudo, tu és só um passatempo. Uma lembrança requentada. Lixo reciclado. Outra das minhas divagações complexas e inúteis que não me servem de nada. Tu és um ponto de vista pra as músicas do Smiths. Um caleidoscopio que eu montei pra admirar o que eu posso fazer. Uma pergunta que eu já respondi, mas escolho ignorar a resposta. Na verdade, nem embrulho no estômago eu sinto por causa de ti: eu só coloco o dedo na gargante e vomito essas coisas. Tu és só uma desculpa pra eu escrever textos repetidos. Meu novo faz-de-conta favorito. Uma desculpa pra eu dar valor a beijos idiotas. Uma causa poética. Uma mentira conveniente. Uma brincadeira autodestrutiva e divertida que eu posso abrir mão quando eu quiser. Um motivo besta pra assistir filmes delicados. No fundo, tu não tens mais importância que aqueles sonhos bons e estranhos que a gente tem quando dorme com fome e, quando acorda, lembra só de umas partes. Daí a gente inventa as lacunas e  uma continuação pra compensar a frustração de acordar aqui. E eu espero que assumir tudo isso assim, cinicamente, te silencie na minha cabeça e acabe com essa insônia filha-da-puta.