Ela só o amou porque era preciso. Ele só a amou porque não sabia definir o que sentia por ela. Para ela não morrer de tédio e ele de depressão. Para ele ter o que esperar e ela algo para acreditar. Para os dois preverem o futuro como fazem os videntes bem pagos. Para ter um passado bonitinho para lembrar. Ela ter a quem escrever coisas melosas e ele um motivo para criar sonhos impossíveis. Para fazer a social. Para fingirem conhecer alguém mais que a si mesmo, e, assim, se sentirem menos só. Para brincarem de dizer “eu te amo pra sempre”. E terem companhia quando iam ao dentista. Para desconfiar do óbvio. E dizer verdades indefinidas com a honestidade dos que têm fé. Para se reconhecer. Para ela sorrir e ele, junto dela, chorar de felicidade.
Por causa da adrenalina, da serotonina, da dopamina, dos feromônios, do estrógeno e da testosterona. Por causa do sexo. Do gozo. E da vontade de morrerem suados, ao mesmo tempo, um ao lado do outro. Ela quase esquecendo que era apenas por um tempo finito, ele quase esquecendo que era triste. Para fazê-lo compreender o que ela mesma desaprendia. Para fazê-la enxergar que o “amor” é incomensurável e, que talvez, podia mesmo ser maior que o finito. Para preencher o ócio com pensamentos em alguém. Para virarem melhores amigos. E serem perigosamente e totalmente sinceros um com o outro. Para brigar por besteiras só para fazerem as pazes e aumentar o tesão. Pelo desejo, puro. Para ficarem bestificados e atônitos. Para citar escritores que nunca existiram.
Pelos ciúmes, o medo, o desgaste, a raiva e a posse. Por causa do prazo de validade. Por ela estar se tornando meticulosamente enjoada e ele insuportavelmente repetitivo. Pelo rabo da vizinha tornar-se de súbito mais interessante que os versos dela. Porque há tanta gente mais cativante e surpreendente que ele esperando para ser descoberta. Por “eu te amo” significar tanto quanto um “até amanhã”. Para ela aprender a mentir e ele aprender a perceber quando estão mentindo. Para nunca, nunca mais cogitarem a ideia de se auto-enganar. Para aceitarem, outra vez, que a tendência do que começa é, invariavelmente, acabar. Porque acaba. Para reencontrarem a tristeza e amadurecerem mais umas décadas. Para se procurarem em quem lhes encontrar.
Para ele dizer: “espero que tu sejas feliz” sem mágoas. Para ela dizer: “obrigada pela felicidade” e achar que isso daria um texto. Para confirmar a tese de que o amor corrompe amizades raras e valiosas. Para ficar sem se falar uma semana. Para descobrirem outros e se apaixonarem de novo e de novo. Ao mesmo tempo, outro tempo, n’outro tempo. Para rirem de tudo, quem sabe. Para ele tornar-se mais comedido. Para ela tornar-se mais ela. Em nome da poesia, do lirismo, do inexplicável, do insólito, da coragem, da beleza. Para ter sido. Para brincarem de dizer: “porra, mas eu te amei pra caralho”. E terem alguma certeza, enfim. Para descobrir que as verdades são momentâneas e as mentiras são apenas vontade de ser feliz. Ou tudo isso vice-versa. Sei lá.