quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Agora.

 

      E temos a obrigação de acreditar em dias em melhores. Os dias vão passar, mudarão, e temos que ter fé em suas transformações. Precisamos orar para o tempo. Rezar para que o universo trabalhe a nosso favor. Torcer para não piorar, para não estagnar, para não morrermos em dias iguais. Precisamos reavaliar nossos erros, prometer tentar acertar. Fazemos promessas para ver se nos convencemos de que os dias bons dependem unicamente de nós. Esquecemos que não temos domínio nem sobre os dias, nem sobre nós. Se tivéssemos, não torceríamos por dias melhores: escolheríamos ser felizes aceitando os dias que temos. Mas, por mais que saibamos o que é certo e o que temos que fazer e no que acreditar, somos contrariados pelo que sentimos agora. Pessimismo, medo, solidão, dor, insegurança. Escondemos: dizemos a nós que é bobagem, frescura, imaturidade. Porque não queremos sentir, queremos acreditar e fazer. Então, buscamos consolos e fugas nas razões que justificam o que sentimos. Como se pudéssemos dissecar nosso espírito e arrancar fora o que está estragado só porque o entendemos. E, dentre as razões convincentes e as que julgamos idiotas, preferimos levar em consideração as últimas: na esperança de que, tomados por uma lucidez madura e depreciativa, possamos fazer o agora passar e, na passagem, mudar o que sentimos. Mas o agora tem seu próprio tempo. E o tempo não passa, ele nos arrasta.

       Os dias dependem do que sentimos. Os sentimentos dependem dos dias. Queremos outros dias. Pedimos outros sentimentos. Rogamos por outro agora, por outro tempo. E de tanto fazer preces, de tanto acreditar, de tanto ter fé, de tanto tentar ignorar o que pulsa dentro de nós, nos perdemos do que somos. Do que somos agora. Ficamos escondidos: protegidos dentro de nossa falsa redoma, feita de um otimismo que nos contraria: sorrisos falsos, conversas escrotas, egocentrismo, futilidades. Porque há o medo de transparecer o medo. Porque há a obrigação de sermos positivos e confiantes. Porque fingimos que sentimentos são evitáveis. Pior: inexistentes. E para mudá-los e matá-los basta crer na promessa de dias bons. Os dias virão, trarão coisas novas, quem sabe, ao menos uma delas, não mude tudo? Mude o agora. Mas agora não é hoje nem amanhã. E os dias vêm e vão, trazem e levam coisas, e, lá no fundo, temos a estranha impressão de que nada mudou: agora é só uma contínua sensação incômoda que nos desespera quando não estamos distraídos: esquecidos de nós.

      Há outra opção: depois de tomar consciência disso, podemos aceitar agora. Ao invés de ignorar, abraçar o que sentimos. Mesmo que fira. Podemos aceitar humildes nossa impotência e sentir sem culpa. Ficar em silêncio, fechar os olhos e deixar doer: aceitar nossos motivos e ter medo em paz. Porque a dor só nos incomoda tanto por causa do medo e da impressão instantânea que temos de que ela não passará, mesmo que saibamos do contrário. Se ela demorar, nós teremos o peito anestesiado de tanto latejar. E poderemos rir sozinhos histericamente e nos contentar dançando no meio da rua, porque somos livres o suficiente para ficarmos tristes. Daí nós teremos liberdade o bastante para desacreditar em dias melhores e transformar os dias iguais. Porque não somos obrigados a agradar, não temos cobranças pessoais, nem auto-repreensões. Por agora, nós deixamos as feridas jorrarem e o sangue se renovar. Não é escolha, é a falta dela: viver é ter coragem para ir às essências e desesperar. É a arte de ser do avesso.

       Feliz dia novo.

Quero dedicar esse texto a um cara que provavelmente não o lerá (alguém lerá?). Um amigo (no sentido mais significativo da palavra) que eu perdi já faz um tempo para aprender a não cometer o mesmo erro consecutivas vezes e enxergar a importância de ir até onde as pessoas se escondem.

Alguém que se tornou forte por causa da solidão e não tem medo de se assumir como é e viver segundo o que acredita. Que aceita seu estado de espírito e deixou de acreditar em bons tempos. Acho que ele que se diverte com os ruins mesmo, mas só acho. É um cara que eu admiro, acima de tudo, por causa da liberdade. Ok, não vou brincar de “amigo” invisível: acho chatão, além de falso.

Bom, Ivan, se tu leres, é pra ti. Não estou esperando nada em troca, não: eu te respeito. É que eu me lembrei de ti enquanto estava escrevendo e senti tua falta. Foi uma sensação meio aguda, como se eu só me desse conta do tamanho da falta hoje, depois ficou só triste. Vou continuar sentindo, mas é assim. Sabe como é: viver o que se sente.

Abraço.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

    E mesmo sabendo que era improvável, que era difícil, havia sempre a possibilidade do esperado não vir. Porque coisas simples e toscas como risos histéricos desvirtuavam teorias elaboradas, certezas hipócritas, medos desnecessários. E dava vontade de fazer nascerem sorrisos só porque era bom matá-los com beijos. Tentava interpretar uns olhares cínicos, propositalmente engraçados, e não conseguia pensar, anestesiado pela sensação boa do riso, do olhar exclusivo, próprio. As vontades vinham nos instantes. Mas aí elas não passavam com eles. E as dúvidas viraram pavores. E os medos viraram uma tristeza escrota. Daí o simples complicou-se. E não é impossível perder o que se gostaria de ter.

Deixa assim não dito, então. Vamos nos perder nos escondendo em nossas inseguranças. É mais sensato.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Sentimos a poesia nos instantes. No milésimo de segundo entre a percepção e a reação. Naquele intervalo em que os neurônios estão transmitindo informações e, às vezes, morrem, apagam: a poesia se faz no lapso entre as sinapses, quando a gente sai e não se importa, e nem sabe. Fechamos os olhos pra tentar guardar em vão o aperto no peito. E de repente cessa.

E era necessário tão pouco. Um cheiro de molhado, uns acordes tristes, uma voz rouca, um olhar recém-encontrado. Qualquer dessas sutilezas, aparentemente banais, guardava o poder de nos mostrar pra que vale isso aqui: o porquê de escrever, respirar, crer, ainda que anestesiados e cegos, a gente acreditava na luz. Por causa da poesia escondida nessas sensações letárgicas, se desfazendo pra crescer dentro da gente. A gente flutuava e dava vontade de sorrir. Havia morfina nas coisas.

A poesia eram os impulsos primitivos e as vontades verdadeiras. Os ímpetos de mostrar que estamos vivos e não desperdiçamos isso. Porque tínhamos sensibilidade e paciência pra deixar esses pedacinhos de realidade invadirem os sentidos: o torpor inebriante que sentíamos era a manifestação da nossa natureza primordial. Daqueles tempos remotos em que não havia linguagem pra explicar tudo e nós aceitávamos viver sem saber que estávamos vivos. E já naquele tempo tinham os desejos de se fundir à noite, e de dançar com a parte de dentro do corpo, e de beijar sem se importar com o que sai da outra boca. Havia a mesma euforia e, às vezes, riamos sozinhos. E não era importante saber por que foi bom.

Talvez fosse só a consciência de estarmos aqui e, apesar daqui continuar como estava, ainda resistíamos. Quem sabe, a alegria súbita viesse da mesma energia que faz as estrelas explodirem e os átomos se juntarem e impede que a gente se afogue. A poesia era o simples prazer de existir.

Distraído, o poema me pega enquanto sinto saudades profundas de tempos e vidas que não são meus. Eu ouço a chuva fria gritar sem esperança de acordar os que dormem. Olho o escuro pela  janela que me encara de volta. As palavras escorrem, despretensiosamente, vivas. Desço as pálpebras e tenho a impressão de que a vida me beija só pra depois ir embora e me deixar na ânsia de comê-la.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Agradinho merecido.

     Digo que ela é dramática, inconstante, complicada, louca, doida varrida... Digo por que eu sou sincero e porque eu posso ser. Daí eu procuro uma série de justificativas pra sustentar meus adjetivos bestas e tentar convencê-la do que ela já sabe. Na verdade, na verdade, eu poderia resumir tantas qualidades n’outra coisa muito mais lógica: coragem. Pois é. Ela, diferente de mim, não tem medo de assumir e sentir o que sente, mesmo que isso só dure até daqui a pouco. Mesmo que nem tenha bons motivos pra sentir. Ok, mesmo que ignorando os motivos. Ela se entrega corajosa, se doendo ou sorrindo. Ela sabe dos riscos, é esperta, mas foda-se. Antes qualquer coisa que a apatia. Talvez seja a inocência ou a vida reprimida ou a ânsia pelo futuro ou imprudência ou só vontade de sentir mesmo. Afinal, não tem nada melhor pra fazer. E é bonito e me dá esperança e nostalgia. O passado parece possível porque ela morre e ressuscita toda hora. O futuro é só até daqui a pouquinho. E quando o tempo mudar as coisas pra valer, eu espero (nem que seja em vão!) que ela continue a mesma dramática, inconstante, complicada, louca, doida varrida...

         Ah! Ela faz questão de ver o sol nascer. Isso é bonitinho. Ela é engraçada.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Trinta Minutos.

     

      Foi-se tempo. Foram apenas olhos, e depois nariz, boca, cabelo, aí tinha o pescoço. E depois mãos pálidas e letras miúdas, e umas pulseiras. Mas tinha o pescoço. E o reflexo no vidro, e um perfil. E mistério e palavras indecifráveis e confusão. E a vista nos vultos, e a sombra de tudo que é real. As luzes iluminando nada demais e a velocidade e um vidro embaçado. E o pescoço. Daí a vontade sincera e o esforço desnecessário. O branco e os dedos e a profundeza e o que eu não sei. Porque eu não sei. O sono, e o livro, e a velocidade, liberdade, e um talvez. Uma hipótese. Mas as pessoas. Suas certezas, seus apertos, suas prisões, sua cegueira. E ela lá. Atrás do resto. Algo de fé. Sempre trágico. Uns instantes quebrados, a vontade de quebrar todos os outros. Reza, desejo, palavras, pescoço, e vai-se o tempo. E a velocidade, e as pessoas. Levam embora o que nunca trouxeram e deixam só o que poderia ter sido. Nos fazendo de putinhas adestradas. Ela lá. E a beleza é tão drástica. Porque ela tava lá. Paixão é simples como a velocidade. Não passa de velocidade. A velocidade é que nos faz passar de todo o resto. Chego rápido demais.

sábado, 24 de outubro de 2009

Barulho.

           

         Preciso escrever um grito. Sem onomatopéias. Sem exageros. Sem clichês. Um berro gigante que silencie tudo mais. Palavras vãs que deem significados ao que nunca teve nenhum. Me sinto vivo, e eu nem sei o porquê. Só o fato de eu estar vivo não justifica isso. A vida é latente. Existir é tão sutil que essa mera percepção é fantástica. É como se a energia de tudo fluísse pelo meu corpo e quisesse vazar pelos meus olhos. Como se a realidade fosse uma droga e eu estivesse em êxtase, uma overdose de tudo. Como se agora eu tivesse tomado consciência de que sou livre. Livre de sentimentos. Só há essa sensação metafísica, pulsante. Sorrio feito um idiota. Se eu tivesse bêbado, faria mais sentido. Se eu tivesse bêbado, eu não seria um idiota. Se eu tivesse bêbado seria um burro. Nem os bêbados, inconscientes, conseguem experimentar um sentimento tão libertador. E a liberdade é o sentimento mais perturbador que o cérebro consegue criar. Eu enxergo o que tem dentro, e é bonita a imensidão. E, se eu grito, não é para ser ouvido: é para eu ensurdecer com meu barulho. O silêncio é onde mora todas as nossas verdades.

 

Eu poderia só dizer que me sinto muitíssimo leve, mas eu peso cinquenta e poucos quilos e isso seria um disparate.  :)

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

 

      Acordei inconformado, sem saber das horas. Achei que o sol já ia sair, mas ainda falta muito. Queria poder escolher a hora. Continuo meio-triste-meio-atordoado me agarrando aos fiapos do sonho bom. Meu coração ainda tá pesado e eu ainda sinto teu chulé.

      Eu consertava o que eu errei. Passávamos por cima da minha merda. Brincávamos de nos conhecer. Não existia o que passou e tu era feliz de novo. Eu me agarrava a ti pra não morrer.

      Enfim, só liguei o computador pra dizer que sonhei contigo e acordei me doendo de saudades. Sei que vou continuar assim, pelo menos, até o fim do dia. Queria muito que isso não significasse nada e valesse alguma coisa.

      Beijo.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Vive-se

       Dorme. As pessoas, de olhos fechados, se cansaram de ter esperanças, até amanhã. Os velhos estão morrendo em silêncio. Alguém mata outro alguém. As dívidas reviram uns insones orgulhosos. A fé vela os seus pobres. O riso falso dos grilos não incomoda. Um barulho exterior te assusta. Tua respiração compassada, finalmente, te dá controle sobre ti. A vista pesa com o acúmulo de sujeira e cansaço. O escuro te entranha com seu cheiro de solidão. O medo é exaustivo demais pra ser ou ter algum sentido. Os pensamentos se dissipam em névoa densa, e as palavras são vultos sem significados. Enfim, não há nada no peito pra desgostar.

       Agora eles não se enganam mais voluntariamente. Os sonhos são naturais. Nascem tão despretensiosos que deveriam ser reais, felizes. Seriam se deus tivesse algum senso de justiça. E tu sonhas tão bonito. Tanto desejo irrealizado, tanta incerteza te ferindo, tanta decepção desmascarando rostos sem formas, tanto que se esvai. O fedor das tuas ilusões em putrefação é suprimido pelo sereno fresco que cheira a algo parecido com paz. Teu lençol ridículo guarda um corpo tremulando quase imperceptivelmente: carregado com a vida de tudo.

       Quando eu te olho assim, imoral de tão indefesa, vou pra longe. Entro na madrugada que guardas em ti, lá onde nunca houve luz pra tu enxergar. Sinto tuas entranhas frias, ainda que eu não as conheça. Respiro em êxtase o ar purificado que sai de ti. E tudo que não for tu é resto. Resta a madrugada entupida com o resto do mundo. No teu quarto há uma noite eterna: o futuro é só um lugar longe e inatingível. E se teus olhos começarem a brilhar, assustados, me assustando, e tu perguntares o que eu estou fazendo, eu ficaria calado. Porque eu estou só te amando. E isso não é expresso por palavras, ou atos, ou gritos, ou qualquer outra mentira. É inexplicável, como a essência de tudo que é natural. Existe-se, ama-se, vive-se.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

 

      Gosto de escrever assim, sonolento, despretensiosamente. Tudo escorre, as coisas vão nascendo preguiçosas, enquanto eu bocejo. Eu queria que a leitura da palavra “bocejo” causasse o mesmo efeito que ver alguém bocejando. Queria que tu, misterioso leitor(a), bocejasse comigo. A preguiça e o torpor deixam a realidade estranha: fazem a gente perceber o quanto ela, a realidade, é frágil, o quanto somos desnecessários. Sei lá. Na verdade, queria que tu bocejasses pra ler o que eu escrevo com moleza: com mais desinteresse e sinceridade, da mesma forma que eu escrevo esta singela merda.

     As palavras carregam mais verdade quando eu as deixo fluir livres, sem pensar muito nelas. Me veem extintivamente, e os extintos, escondidos, são o que há de mais verdadeiro em nossa lindíssima essência humana. Somos mais bonitos quando somos um pouco menos humanos. O carapanã que morde meu braço e suga meu sangue é mais real que eu. Esses insetos são engraçados, e eu gosto de apreciá-los. Eles têm um cerebrozinho tão primitivo que nem cerebrozinho é. Ah! E gostam de ficar sós. Ao menos os carapanãs, os mosquitos em geral, e as borboletas e mariposas daqui de casa são muito solitários. As formigas não: correm de um lado pro outro e tão sempre em bando. Aposto que o cerebrozinho delas é maior que o de um carapanã.

    Falando em formigas, me lembrei de um troço engraçado que aconteceu nos meus áureos tempos de criança. Não consigo pensar em nada mais interessante pra escrever. E, pensando bem, não faço a mínima questão de pensar. Tenho sono. Vai a história da minha formiguinha mesmo.

     Há uns anos, quando minha tia ainda morava numa cidadezinha do interior, nós costumávamos visitá-la nas ferias, passávamos lá poucos dias, às vezes um mísero final de semana. Havia praias, igarapés e risos, era legal. Aconteceu no meio de nosso programa de lazer básico, que consistia em ir à praia de rio mais frequentada de lá. Aliás, ‘praia de rio’ é quase um pleonasmo por aqui. Mas sim, eu roubei uma formiga. Não lembro se ela estava junto das amigas, provavelmente estava. Era um bicho grande, preto, não era dessas formiguinhas laranjas e enjoadas que vivem aqui em casa. Acho até que tinha um cerebrozinho bom. Eu a coloquei numa garrafa Pet de 600 ml onde eu havia posto um pouco de areia, pedacinhos de uma folha e uns gravetos secos. É que eu resolvi criá-la e aquela seria sua nova casa. Trouxe a formiga comigo da viagem, aparentemente, era um animal muito saudável. Quando chegamos, lembro que não fomos direto pra casa, paramos na casa dos meus avós. Lá que eu fiz a cagada. Por algum motivo, eu senti muita pena da formiga presa naquela garrafinha de plástico. Eu tinha uns 8, 9 anos no máximo, talvez até menos. Não entendia muito bem ideias tão abstratas quanto às de liberdade ou felicidade. Só sentia que a minha formiga estava triste e que tinha alguma coisa errada ali. Aí eu a soltei lá, no meio da rua. Sei que isso tudo parece mentira, parece uma fabulazinha idiota, mas, acredite, eu não tenho criatividade pra inventar algo tão complexamente ridículo. Eu fiquei de cócoras, coloquei meu nariz junto do asfalto, abri a tampinha e bati a garrafa até a formiga sair. Eu me lembro dela indo embora e do meu avô perguntando qual a lógica de trazer uma formiguinha de tão longe pra soltá-la na cidade. Não sei o que eu respondi, acho até que fiquei calado. Eu era tão inocente quanto à formiga. O mais provável é que ela tenha virado esquizofrênica, bem no meio das suas presumíveis crises existenciais. Mas ela deve estar morta hoje, formigas vivem entre 6 a 10 semanas, segundo o Google... Isso se ela não era uma trabalhadora, essas podem viver até 7 anos. Mas eu duvido que a minha formiga fosse uma trabalhadora. Melhor que não. Enfim, agora ela tá no céu das formiga, que acredito ser um lugar bem bacana. Eu só tô com sono.

 

‘Brigado.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Facínoras Bocetas.


       Era um período mais ou menos assim: “me senti um merda por desejar comer aquela boceta vermelha”. Eu li e ri. Pensei: “caralho, deve ser legal uma boceta vermelha”. Passei os olhos pela frase de novo, li em voz alta, é uma frase forte. Não só por causa dos palavrões: se sentir um merda por causa de um desejo tão sincero por uma boceta (e vermelha!) é torturante. Ia nisso quando ouvi batidas no vidro bem à minha frente. Falei alto demais. Bati os olhos nos olhos dela, que eram bem mais fortes que os meus. Assustado, esperei uns segundos algo que não aconteceu. Depois baixei a cabeça, porque sou um frouxo. Óbvio que não consegui voltar a ler, eu fingia que lia enquanto repetia mentalmente: “me senti um merda por desejar comer aquela boceta vermelha”.
       Outra batida na janela. Pensei alto demais. Aquela coisa fitava meus olhos e eu não sabia o que fazer. Eu só queria saber o que ela queria, lhe daria e continuaria minha leitura, nervoso e assombrado pelo acontecido. Mas ela ficava lá, estática, com uma cara de cu que não me dizia nada. Eu dei de ombros e fiz uma careta ridícula que perguntava: “Oi?”. Então, ela tirou uma caneta do bolso, escreveu rapidamente algo em sua mão e depois a pressionou contra o vidro. Estava escrito: “Tu é louco?”. É claro que eu sou! Tenho muita vergonha de parecer o que sou assim, tão descaradamente. Eu fiquei admirando as palavras em letra de forma, sem saber o que dizer ou fazer. A mão dela era muito branca, bonita.
       Coloquei minha mão contra o vidro também, na direção da mão dela. Era uma coisa muito estúpida, mas meu coração batia forte, eu suava frio e meus pés tremiam. Na falta de qualquer resposta, achei melhor tapar a pergunta. Talvez ela não pensasse que eu sou louco se eu fingisse ser poético. Cara, como meu coração gritava de medo... Bocetas vermelhas colocam a gente em cada uma. Meu corpo inteiro queria se dissolver, o vidro umedecia com meu suor. Eu, apavorado, desafiava aqueles olhos carnívoros. Aí ela tirou sua mão, virou-a para si e depois me mostrou. Não havia mais pergunta nela. Não pude conter o riso de satisfação. Daí, finalmente, ela sorriu, sorriu um sorriso lindo.
      Eu quis muito comer a boceta dela. Sei que não era vermelha porque seus cabelos eram castanhos, mas eu queria assim mesmo. Aposto que era uma boceta bonita. Mas aí ela foi embora. Como pode alguém te descobrir, desafiar, te sorrir, e depois te deixar com a vontade escrota por uma boceta? E nem era uma boceta vermelha, mas eu ainda assim me senti um merda. Tive a impressão de que umas lágrimas nasciam, e além de um merda, eu me senti um idiota. Voltei para o livro, me recriminando, mas não consegui avançar. Li: “me senti um merda por desejar comer aquela boceta vermelha”. A minha vista embaçou e as letras viraram borrões. Achei que eu iria apagar o livro também. Um fio de esperança me fez levantar a cabeça para tentar achá-la atrás do vidro, talvez me observando encantada. Lá, apenas o vidro límpido, o suor injustificável e o contorno da minha mão magra.


Preciso descobrir se ela é realmente louca ou se eu vou me desiludir. (:

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Sobre ausências.

 

     Hoje, enquanto descuidava dos meus pensamentos, lembrei vagamente que tu existes. Entendo que seja difícil rememorar ‘vagamente’ algo tão substancial como tua passagem por mim, mas, me valendo do existencialismo barato, te digo que o eu de agora, tão mais descamado que aquele outro, ao se deparar com a ideia do que tu foste, te estranhou. Então, nos meus pensamentos descuidados, tu eras como alguém que eu vi alguma vez em algum lugar e, por algum motivo metafísico louco, tive certeza que era especial, ainda que eu não confie muito nas certezas e ache o ‘especial’ sutil demais pra ser percebido sem que ele se manifeste. Entretanto, tua presença nesse lugar que eu inventei sem querer, dentro de mim, era o suficiente pra me desmoronar inteiro pra suportar tua grandeza. Senti medo.

     É que as feições alheias sempre me hipnotizam. Olho os rostos dos desconhecidos solitários em suas viagens rotineiras e aquelas expressões cansadas, neutras e, por serem vazias, melancólicas, me provocam um misto de reconhecimento e medo. Tenho medo de dormir, de me tornar um daqueles sonâmbulos presos no seu ir-e-vir automático: os sonâmbulos passam a semana fazendo o que não querem para terem dois dias em que podem não fazer nada. E sonham o tempo todo, talvez se alimentem e se contentem com sonhos distantes assim, tentar alcançá-los é sempre perigoso. Foi por isso que me lembrei de ti: os teus medos são pequenos perto da tua liberdade, e desconfio que o teu medo mais significativo, não necessariamente o maior, seja justamente da tua liberdade.

    Nascemos sós, nós morremos sós. Essencialmente, não passamos todos de feitos e desfeitos da solidão, partilhada ou não. As pessoas ficam tão angustiadas consigo mesmas, com suas neuras, suas loucuras, não é da solidão que têm medo, elas têm medo delas mesmas. E é extremamente admirável, e de certa forma espantoso por ser quase inatingível, o quanto tu amas isso. Ao invés de ignorar tuas falhas, as sensações desagradáveis, os sentimentos perturbadores, tapando tuas vontades, teus sonhos, te valendo das verdades convenientemente inventadas que te ensinaram, e essas sim tu fazes questão de desprezar, tu aceitas a tua condição solitaria sendo inteiramente responsável pelo que tu és. E tu não tens medo da tua insanidade, do animal que tens em ti e fazes questão de alimentar, que tu soltas feliz.

     Enquanto os outros, tristemente, se trancafiam nas proprias jaulas procurando desesperadamente esquecer que estão ali, quem sabe por não terem escolha mais sensata senão a resignação, tu te assumes e não concebe a vida partilhada com quem não consegue fazer o mesmo. Quiçá, seja por tu seres grande demais que tu te baste, tens discernimento pra distinguir quando as pessoas estão se distraindo umas com as outras, só para evitarem ficar sós, e quando estão dividindo suas solidões. Quanto ao meu medo, meu medo do futuro, tento matar refazendo o meu presente. Mas tenho que te confessar, com orgulho ferido, que o estranhamento perante a ti te faz outra vez nova e surpreendente. E deus sabe o quanto isso me impulsiona, do mesmo modo que deus impulsiona as pessoas de expressões tristes, cansadas demais para quererem viver suas vidas, a se por de pé quando vem um novo dia. Mas tu permaneces inviolável, ao mesmo tempo em que brinco de chegar a ti, lembro que a tua memória trouxe com o medo qualquer coisa de triste, e o meu impulso, sem destino certo, se resume a palavras.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Poesia Concretista Em Luz e Sombra (é, quase não faz sentido)

 

Olha.

Edição, palavras e fotografias minhas. A música é da Amiina, Hemipode.

 

     Ok, tô numa crise de abstinência filha da puta. Ficar sem produzir por muito tempo faz eu me sentir um merda. Sério. O pior é que tudo que eu escrevo (yes, I try) fede e parece lixo reciclável. Acho que sou exigente demais comigo mesmo, sei lá.

     O último post foi quase um piti. Às vezes me comporto como criança contrariada, e o pior: sou contrariado por mim mesmo! Enfim, esquizofrenias à parte, quero pedir desculpas. Devo muito a quem tá lendo isso, e foi babaquice (quase) dizer que não me importo com os elogios e blá blá blá. Tava um pouco down pra caralho por não conseguir escrever nada tocante. E, como já disse, não faz sentido fazer arte pra mim mesmo. “O artista se alimenta de reconhecimento”, já dizia alguém que esqueci quem.

    Quanto ao video, era pra um concurso aê. Eu sou fascinado por fotografia, mesmo. Acho que fui influenciado inconscientemente por A Via Láctea e Nome Próprio (os dois filmes que mais mexeram comigo, apesar de reconhecer que não são os melhores do mundo) quando veio a ideia de fazer isso daí. A intenção era fundir (ui) a linguagem verbal à visual pra elas combinaram num “poema” só. Então, caso alguma alma resolva tentar interpretar qualquer coisa, não ignore a posição das palavras no cenário, por favor.

     É isso. Tava com saudades daqui (17 dias). Semana que vem as coisas voltam a andar, eu volto a andar mais. Tô precisando, acho que aí desbloqueio. Sentimentos repetidos não fazem efeito e remédio pra prisão de ventre não ajuda também.

     Bom, espero que gostem do video (se acharem fétido não precisa falar também :). Eu tô vivo aqui. Inté.

terça-feira, 14 de julho de 2009

         Não é por falta de palavras, é simplesmente por falta de vontade. Eu me entrego aqui e, de certa forma, entrego outras pessoas, e em troca recebo elogios verdadeiros que, sinceramente (e desculpem pelo ''sinceramente''), não me compensam mais. Sei que parece desmerecimento, mas juro que não é. Eu sempre tô querendo mais, é natural já. Acho que vocês, amigos imaginários, não podem dar não. Só se pudessem, talvez. Bom, sei que há quem venha aqui diariamente procurando algo bonitinho pra ler, mas é isso aê. 
        De repente a solidão ficou muda. E esse silêncio é extremamente pretensioso.

sábado, 20 de junho de 2009

Sobre O Que Seria O Amor.

 

      Ela só o amou porque era preciso. Ele só a amou porque não sabia definir o que sentia por ela. Para ela não morrer de tédio e ele de depressão. Para ele ter o que esperar e ela algo para acreditar. Para os dois preverem o futuro como fazem os videntes bem pagos. Para ter um passado bonitinho para lembrar. Ela ter a quem escrever coisas melosas e ele um motivo para criar sonhos impossíveis. Para fazer a social. Para fingirem conhecer alguém mais que a si mesmo, e, assim,  se sentirem menos só. Para brincarem de dizer “eu te amo pra sempre”. E terem companhia quando iam ao dentista. Para desconfiar do óbvio. E dizer verdades indefinidas com a honestidade dos que têm fé. Para se reconhecer. Para ela sorrir e ele, junto dela, chorar de felicidade.

       Por causa da adrenalina, da serotonina, da dopamina, dos feromônios, do estrógeno e da testosterona. Por causa do sexo. Do gozo. E da vontade de morrerem suados, ao mesmo tempo, um ao lado do outro. Ela quase esquecendo que era apenas por um tempo finito, ele quase esquecendo que era triste. Para fazê-lo compreender o que ela mesma desaprendia. Para fazê-la enxergar que o “amor” é incomensurável e, que talvez, podia mesmo ser maior que o finito. Para preencher o ócio com pensamentos em alguém. Para virarem melhores amigos. E serem perigosamente e totalmente sinceros um com o outro. Para brigar por besteiras só para fazerem as pazes e aumentar o tesão. Pelo desejo, puro. Para ficarem bestificados e atônitos. Para citar escritores que nunca existiram.

    Pelos ciúmes, o medo, o desgaste, a raiva e a posse. Por causa do prazo de validade. Por ela estar se tornando meticulosamente enjoada e ele insuportavelmente repetitivo. Pelo rabo da vizinha tornar-se de súbito mais interessante que os versos dela. Porque há tanta gente mais cativante e surpreendente que ele esperando para ser descoberta. Por “eu te amo” significar tanto quanto um “até amanhã”. Para ela aprender a mentir e ele aprender a perceber quando estão mentindo. Para nunca, nunca mais cogitarem a ideia de se auto-enganar. Para aceitarem, outra vez, que a tendência do que começa é, invariavelmente, acabar. Porque acaba. Para reencontrarem a tristeza e amadurecerem mais umas décadas. Para se procurarem em quem lhes encontrar.

      Para ele dizer: “espero que tu sejas feliz” sem mágoas. Para ela dizer: “obrigada pela felicidade” e achar que isso daria um texto. Para confirmar a tese de que o amor corrompe amizades raras e valiosas. Para ficar sem se falar uma semana. Para descobrirem outros e se apaixonarem de novo e de novo. Ao mesmo tempo, outro tempo, n’outro tempo. Para rirem de tudo, quem sabe. Para ele tornar-se mais comedido. Para ela tornar-se mais ela. Em nome da poesia, do lirismo, do inexplicável, do insólito, da coragem, da beleza. Para ter sido. Para brincarem de dizer: “porra, mas eu te amei pra caralho”. E terem alguma certeza, enfim. Para descobrir que as verdades são momentâneas e as mentiras são apenas vontade de ser feliz. Ou  tudo isso vice-versa. Sei lá.

domingo, 14 de junho de 2009

Fala…

Quem te conhece? Esse teu barulho, tuas pessoas, não sabem ouvir teu silêncio. Não se importam em te compreender. Tua sensibilidade precisa ser suprimida pra tu não incomodar ninguém. Porque todos os ninguéns não sabem lidar consigo mesmo, com as suas companhias. Tu, inteira e ao avesso, só seria um problema ignorado. E tu precisas beber, rir, dançar, te dar e não saber o que faz, ou repudiar o que tu faz, pra te sentir menos tu.

Sei que não estás bem. Sei que não queres falar. Sei que desabafar não te deixaria melhor. Sei que não te entendem. Sei que te querem rindo e tu queres chorar. Sei o que te faria melhor. Sei te escutar. Sei o que irias dizer. Sei que não vais dizer. Sei que é por orgulho. Sei da tua pretensão. Sei da minha. Sei que tás confusa. Sei que querias diferente… Sei que finjo certezas na esperança de tê-las contrariadas, na esperança de qualquer coisa tua.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Sobre Os Cabelos.

     Será que é a tua poesia? Ou tu toda é um soneto realista? Ou é só outra desculpa vã pra eu conseguir fiapos de inspiração? Queria escolher o que fazer com esse impulso. Falaria de felicidade. Nada de solidão, nada de melancolia, nada sobre o tempo. Mas, se eu desatar a falar de felicidade, eu inevitavelmente te mencionaria na segunda frase. E eu também não quero falar de ti. Não quero porque eu só diria coisas bobas... E a gente combinou que não agiríamos como idiotas cheios de ilusões. Só o que é invariável, nada de dramas. Porque “os sentimentos nascem, crescem, nos ferram e morrem”. Logo, não podemos nos tornar tão vulneráveis à pequenezas que provocarão em nós dores dispensáveis... Mas, sabe, tem um milhão de sutilezas tuas que me embasbacam. Daí escrevo. Porque é inútil não escrever, e eu só percebo agora, escrevendo.

     Eu tava admirando teus cabelos. Dissertaria três parágrafos sobre os teus cabelos e a forma como os movimentos deles, que parecem voluntários de tão bonitos, me dão vontade de sorrir. Sei que parece exagero, deves achar que só estou tentando ser “fofo e idiota”, mas é sincero: tuas mechas em castanho-escuro; as poucas mechas mais claras; tuas tranças pequeninas; o brilho que é fraco, mas existe; o volume que te deixa meio bochechuda; o teu pescoço escondido; teus ombros enfeitados; o perfume doce; os fios despenteados que sobressaem no alto e eu brinco de achar; teu coque desleixado e o cabelo caindo insistentemente no teu rosto; e tu ficando puta com ele porque “esse caralho nunca fica direito”; e eu adoro teu cabelo por te fazer raiva e me permitir ouvir teus resmungos engraçados e contemplar tuas caretas lindas.

     Não tinha vento hoje, e teus cabelos livres não dançaram. E eu percebi que, hoje, tu falavas balançando a cabeça bem mais do que costumas fazer. Acho que estavas um tanto irritada: justo hoje que tu resolveste testar a eficácia das tiaras com florzinhas e deixaste tuas madeixas soltas, o desgraçado do ar resolveu não se mover. Eu tava me divertindo com teus jeitos, nem um pouco naturais, de te pentear, desnecessariamente, com os dedos. Tive que segurar o riso depois da terceira vez que te vi jogando os cabelos para trás usando as duas mãos, tu nunca fazes isso. Será que tu sabes que nunca fazes isso? Tu tentando mostrar o que é impossível eu não enxergar é bem irônico. Como eu posso não te reparar? Hoje vi que tens muito carinho pelo “caralho” do teu cabelo, e isso, menina, me deixou muito contente e até um pouco comovido... Sei lá por que.

    Agora queria ter teus cabelos entre meus dedos. Eu te pediria pra me ensinar a fazer tranças, e eu faria umas cinco, quem sabe, seis. Depois eu iria desfazê-las e ficaria acariciando os fios torcidos, tentando entendê-los. Provavelmente eu iria embaraçar todo teu cabelo, e a gente iria gargalhar da minha burrice e de ti desgrenhada. Então, eu afundaria o rosto na parte de trás do teu pescoço, onde o cheiro é mais forte. E te beijaria ali, protegido e alucinado, até que tu te cansasses da minha babaquice e me oferecesse tua boca. Amo teus cabelos. Talvez porque eles brotam de dentro de ti, tal tua poesia. Por serem únicos e teus, e meus. Porque eu me sinto melhor tendo descoberto a beleza de amar algo simples, algo que só eu sei. Ou talvez porque teus cabelos me fazem feliz, fofo e idiota.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Guloseima. :D

   Descobri que isso não tem razão nenhuma se não estiver aqui. Até tem uma razão, mas ela é idiota. Todo texto é idiota. Por falar nisso: aviso logo que não vai ter nada muito relevante, leia, porém, se tu achar um cocozão, não diz que não te avisei. Certas coisas nem eram pra ser de mais de uma pessoa. E a razão de eu dar isso a quem quiser ler definitivamente não é porque sou altruísta. Pelo contrário: acho que vocês, seja lá quantos vocês forem, só leem isso agora porque eu sou um filho-da-mãe egocêntrico. Pensa: o que essa droga tá acrescentando à tua vida? Porra nenhuma. Saber de mim não faz a mínima diferença a ninguém (sei de pouquíssimos alguéns).

   Não é que eu devesse escrever só pra mim. Eu li uma frase recentemente que foi atribuída ao Machado de Assis, (conheço quase nada de Machado e internet não é o troço mais confiável do mundo, então acreditem se quiser) dizia: "Ninguém escreve para si, a não ser que seja um monstro de orgulho. A gente escreve para ser amado, para atrair, para encantar." Traduzindo: escrevemos por vaidade. Tá. Eu tento metaforizar, intensificar os sentimentos, ficcionar depois de analisá-los, causar alguma perturbação por aí, mas eu não faço isso por mim. Essa estória de que escrever exorciza, sinceramente, não funciona comigo.

   Escrever até ajuda a organizar minhas ideias e tudo mais, mas eu já disse isso num post-antigo-ridículo-que-nem-esse: eu me compreendo. Não preciso inventar historinhas ou poetizar pra eu ter alguma revelação tipo: “Ó, estou angustiado por causa disso e porque sou assim, mas que bosta. Ah, mas eu não sabia disso. Que feliz.”. Ou seja, não me vale de quase nada. Às vezes é até ruim, cara, me sinto mal depois de escrever alguns textos. Escrevo impulsivamente, quando tô totalmente enjoado. Mas há vezes em que eu simplesmente enfio o dedo na garganta e me obrigo a colocar alguma coisa pra fora. De uma forma ou de outra, não é sacanagem oferecer teu vômito aos outros?

   Sei bem que há quem goste do que eu escrevo. Aliás, não sei se teria coragem, muito menos disposição ou vontade, pra continuar escrevendo e postando se não tivesse recebido metade dos comentários que já recebi. E, sério, preciso agradecer imensamente, quantas vezes eu poder, a vocês por isso. Me sinto alegre e menos egoísta sabendo que, ao menos, uma pessoa conseguiu sentir e foi desequilibrada por um texto. As coisas só se transformam se passarem pelo caos primeiro. A gente aprende as coisas na base do sefodendo mesmo. Eita, acabei de ter um insight (sempre quis falar isso): talvez seja por isso que eu me recuse a escrever assim, clara e babacamente, escrevendo com elementos abstratos e de forma mais subjetiva as interpretações são múltiplas e os significados são pessoais: logo, cada um “aprende” (‘capta’ é menos prepotente, né?), cada um capta, do seu jeito, algo. Não é o que eu quis dizer, é o que vocês entenderam. (profª de simiótica ia me love se lesse isso)

   Ai, ai… E a família, como vai? Pois é, rapaz. Não sei mais o que dizer. Acho até que não deveria ter dito nada. Sei que posso dizer o que eu quiser aqui, mas eu não sou tão estúpido a ponto de não pensar em quem se dá ao trabalho e dedica um pouco do seu tempo pra ler o que tá aqui com a maior boa-vontade do mundo. Bom, pelo menos serve pra mostrar que eu não sou nenhum depressivo-suicida ou coisa assim. Sei que uns textos tem uma carga bem pesada: é que eu sinto muito, sou um extremista sentimental. Hoje eu tô feliz, por isso tô falando merda, eu acho. Caralho, chega de falar de mim, tô com vergonha já. Tô com fome também. E com uma porrada de trabalho pra fazer. Como eu sou zombador, né? Guloseima é uma palavra mais engraçada que zombador… E é por isso que o título é guloseima, decidi agora. Porque a tristeza é bonitinha, mas a felicidade é doce! (HAHAHA… Doido, preciso tomar meu remédio controlado antes de vir aqui escrever)

e.u Eu pensando. 

(Ah! Não custa falar que o texto possui ironias, e essa esdrúxula legenda é uma delas)

*Querendo desperdiçar o tempo com mais porcaria, tem post novo no Égua, doido!.  Inté. :)

terça-feira, 19 de maio de 2009

À Fuga De Nada.

Vestiu uma jaqueta jeans surrada, calçou as chinelas, e desceu do sétimo andar apenas de camisola. Estava insone, entediada, cansada. Ela saiu porque a solidão estava atipicamente lhe sufocando. A noite era grande suficiente para velar as duas. Rua deserta, úmida, absorta num silêncio perturbador, numa meia-luz estranha, tinha também um frio áspero. As luzes dos postes, esparsamente dispostos, brilhavam com dificuldade. Ela achou tudo muito estranho, melancólico. O céu escondido por nuvens laranja prestes a chorar. Vultos de casarões antigos escoltavam a moça caminhando pelo meio da rua estreita.

Eram tão lentos os passos, a expressão tão natural e as horas tão altas. Se alguém a tivesse visto, juraria que era uma sonâmbula, ou uma bêbada, uma louca, um fantasma. Uma morta morando numa daquelas casas antigas, esquecidas por todos, lembradas só pelo tempo. A madrugada cuidava de embelezar o cenário, onírico. E eram tantas memórias, tanto tempo, tão vazio e tão só. Lindo. O perfume do sereno inebriando a garota sozinha que desfilava numa passarela de asfalto para prédios velhos. Era tão linda. Uma beleza tão extraordinária e surreal que se nada de incomum acontecesse não seria verdade.

Quando ele surgiu, corpo coberto por um sobretudo negro, era translúcido. Ela não se assustou. Como se fosse natural, como se esperasse, a moça parou e sorriu. O mundo era de dois corpos dentro da madrugada, no meio de uma rua deserta. Ficaram os dois se encarando, tentando identificar, se reconhecer, se matar. Ele sério, diáfano. Ela quase feliz, luzindo. Eu consigo escutar aquele silêncio agora. Tinha no ar aquela vibração que antecede algo grande, como o pressentimento que vem antes do acidente. E as gotinhas começaram a cair, finas, geladas. Ela inclinou o pescoço para trás e abriu a boca. Ele queria morrer por julgar não merecer tanta beleza, depois achou graça do que queria.

Barulho:

- Não gosto dessa tensão.

- Por quê?

- Não sei. Parece que vou sempre morrer no próximo segundo.

- Me sinto sozinha.

- Eu te conheço. Como tu te conheces. Não estás sozinha.

- Como pode?

- Sou tu.

- Eu te criei.

- Eu não existo.

- Eu te amo.

- Porque te convém.

- Não te conheço, amor.

Foi porque era o mais certo, no mínimo, o mais lógico. Ele sumiu. Ela voltou, chorou, dormiu e sonhou que era triste. Talvez não justifique uma queda assim, tão visivelmente forçada. Mas, agora, não encontro motivos mais válidos, nem mais convincentes. O absurdo motiva-se por si. E, no engano, nada houve. Nada há.


eu não sei.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Sobre Qualquer Coisa Que Eu Continuo Sem Saber .

   Talvez minha amargura seja mesmo estranhamento perante a mim. Quem sabe, por não entender exatamente o que me leva ao silêncio, eu me perturbe tanto com a quietude. Entende-se quietude como isolamento, busca de refúgio dentro da tempestade. Porque eu sempre tive a crença besta de que se eu me entregasse às minhas dores e aos meus temores eles enjoariam de mim ou eu deles. O mais provável é eu me entediar com o que eu sinto.

   Francamente, eu queria a materialização de alguém bem à minha frente, enquanto eu estiver escrevendo o parágrafo seguinte. Então, esse alguém se postará silente, seguindo com os olhos o movimento da caneta e tentando, impaciente, decifrar meus garranchos cuspidos. É óbvio que não conseguirá ler palavra alguma, quiçá, um ‘e’, um ‘a’ ou um ‘de’, um ‘os’: elos idiotas que porventura se destaquem aqui ou mais acolá. Daí, simplesmente inventará o que sobrevém. A minha caneta será um fio de pensamento estúpido que gerará sucessões de improbabilidades. Durante dois minutos nossas respirações aflitas, como as palavras que me surgem, sugaram a matéria ao nosso redor e matarão o som. No silêncio mórbido, quebrado apenas pelo barulho longínquo que arqueja dentro de mim, eu descreverei alguém que já vi e não me lembro. Pensará em corrigir um detalhe ao outro; será que acredita mesmo que tem os olhos claros ou os lábios mais cheios que linhas marcantes? Não se importa mais, também não me custa errar agora: um erro nascido é um erro acabado. Mas receará novamente quando deduzir o fim se desenrolando com a mesma pressa que escrevo: e eu, acreditem, sei agora perto de nada. Puxará a cadeira tentando impedir ruídos, e se sentará suavemente, o corpo inteiro será surdo e mudo. As órbitas seguindo o ir-e-vir de minha mão trêmula, e suas palmas serão duas conchas apoiando a cabeça sustentada pelos cotovelos sobre a mesa. Nas pausas longas, como a que antecedeu estás vírgulas, fará menção de balbuciar a próxima palavra, mas da boca entreaberta nascerá um sorriso orgulhoso, eu ouvirei uma arfada e descobrirei o verbo seguinte. E quando me vier o impulso de arrancar esta folha e comê-la aqui mesmo, sem mastigar, alguém suspenderá o meu queixo com o indicador e me obrigará a encarar a felicidade. Tomará a caneta úmida de suor e me convencerá a ler isto em voz alta. Eu leio, e não vejo.

   Faz trinta segundos que passaram quatro minutos.

   Eu preciso ir e ninguém me veio. Este final é mesmo melancólico, porém suprime qualquer coisa que eu não sei enxergar. E há algo à frente: além dessa sequencia de cadeiras vazias, além da mágoa, destas palavras desperdiçadas e dessa bosta de sensação onírica. O desconhecido vem me torturar e, mesmo sendo rigidamente castigado, não consigo exaurir em gritos a vida que se perde aqui.

   _______________________________________________________________________

   20 horas depois: eram risos alegres, e agora não são. Agora é perto de nada: só isto.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Ah, vida.

 

Porque entregar-se à ?

                                                   Impulso que lhe quebre as grades ([tu]), carceireiras de         

Quem és agora? –  Perguntou-lhe depois de beijá-lo.

Livre do não saber alheio, anestesia da                                                    Estranho seria aceitar e renagar a espera por

                                                    Que me afaste do julgamento de merda, produto da incapacidade de se colocar em

 

Medo                                                                                 Indagação                                               Mais                                                                                                                   

          Acontecer-nos independe da respiração automática,

                                                                      Forma escrota que tenta nos colocar em moldes, suprimindo

o que não somos?

Nego.

                                                                                                                   

Faço a trama, mesmo que não a pontue         

Mesmo que não sejam meus os intervalos

Não escolho se aqui  sofro                                                       cheio                                                                                             e vivo

Mas eu preencho. Inteiro do que eu quero.

 

reverp  é vida

                                                                                                      

       Eu não vejo muita lógica, mas acho muita graça.

 

 

                                                                           *tristeza, cara. Tristeza.

domingo, 8 de março de 2009

Ela.

imagem

*Texto diretamente inspirado nessa foto que é uma das coisas mais lindas que já vi e não sei da onde veio.

 

  

   Ela pressupôs que a felicidade era algo latente e duradouro, mas, isso foi segundos antes de deparar-se sozinha e com medo encarando um espelho recém-rachado apoiado pelo piso e a parede.

   Como vocês devem ter deduzido, a personagem trincou o espelho, quem sabe atirando algo, em conseqüência à brilhante e genial conclusão a que chegou: ser feliz é coisa de momento. Tal magnífica descoberta talvez tenha incitado pânico em nossa heroína, levando-a a reagir de forma violenta e impulsiva. Agora, vocês esperam que eu justifique a atitude dela, visto que eu a criei e tenho total controle sobre ela, bem como seu espaço e tempo e, conseqüentemente, sei o que houve e haverá. Bom, eu não vou explicar nada.

   Com a face dividida em quatro, linhas assimétricas que a cortam da testa ao queixo, ela solta gargalhadas, quase sem sons, intervaladas por momentos em que lhe falta o ar. Riso baixo, forte e ameaçador. Sorri como se tivesse conhecido o que há de mais engraçado no mundo. Contorcendo-se no chão, mão à boca, sem pudor algum. Às vezes de olhos fechados, e, quando torna a abri-los, surpreende-se com a imagem que enxerga refletida e não se agüenta: dá outra risada ainda mais forte que a anterior. Lágrimas escorrem, e todo mundo chora de tanto rir. De novo e de novo.

   Então, dez minutos depois, ela está exausta. Estirada num canto, sente cada pedaço do corpo dolorido e os músculos da face completamente dormentes. Ela tenta rir só mais uma vez, mas mover bochecha dói, esticar os lábios dói, franzir a testa dói e fechar os olhos dói insuportavelmente. Porém, nossa intrépida amiga é insistente e teimosa: num ato que apenas podemos interpretar como um caso claro de masoquismo, ela continua a admirar o espelho e lançar risinhos esparsos que lhe trazem uma dor aguda e puxam gemidos tímidos. Brotam mais lágrimas e elas se confundem, todas elas.

   Deitada de bruços no chão frio, fixando o espelho, ela sente uma leveza que nem sabia que existia. Posso dizer que ela sente independente do corpo, como se não tivesse corpo. Aliás, ela é só uma personagem literária e fictícia, então, teoricamente, ela não tem mesmo um corpo. Está ali, dormindo calma e serena como um sorrisinho meigo que me acalenta e traz paz.

   Uma história não continua sem personagens. Como eu não sou interessante e seria um despropósito acordar a moça, vamos encerrar nesse parágrafo. Morta ou sonhando, tanto faz, o final é feliz e o momento é eterno.

domingo, 1 de março de 2009

Poeminha Contra A Reclusão Para Os Dias Muito Ruins.

Eu peso em carga grande e densa

O peso que sustento; hora explosão, hora silêncio;

Pulsa amiúde sob meu cerne fatigado

Ansiando impaciente qualquer parva forma

Pretexto que dou-lhe apenas para vê-lo livrado.

 

Preso, pois, meu peso jaz como angústia sepulcral

Este meu pesar; hora apatia, hora desespero;

Vela um sonâmbulo triste e inerme

Incapaz de atirar-se nos sonhos que o rodeiam

Patético frustrado que nem peleja e, já por isso, perde.

 

Então, eu, que ambiciono e insisto

Empunho isto, digamos: vida; hora feliz, hora apenas poesia;

Para dizer-lhes, com sorrisos e lágrimas que me ratificam,

Sejam para fora: renunciem às insignificâncias que inibem alegrias

Posto a felicidade estar além de nós; visto não cabermos diante tamanha vida.


De depressivo à feliz da vida em três estrofes. (:

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Capítulo 2 – Parte 1 – Marília.

Como se acreditasse de verdade que funciona e vive exatamente como e quando quer, Eduardo deu-se duas semanas.

Durante quatorze dias, Eduardo permitiu-se sofrer. Para ele, tendo em visto os ocorridos, seus motivos são válidos o suficiente para justificar esse período torturante de desintoxicação. Izabel ainda é uma droga letal que corre entre suas veias e pensamentos, a mais deliciosa delas. Ela ativava no organismo dele os mecanismos químicos e hormonais, além de disfunções psíquicas, que o jogavam em furacões alucinógenos de euforia; seja entre fodas, discussões ideológicas ou nos seus silêncios constrangedores. Também havia os eventuais lapsos em que o pobre Eduardo ficava tão tonto que se vomitava de dentro de si, e já nem sabia o que era. Mas Izabel não gostava disso: o pior (e a grande questão que promoverá a sobrevivência e o martírio do Edu) se reside no que há de mais audacioso da Izabel: ela ama o que o Eduardo é, e forçava-o sem pudor a continuar sendo ele intensamente, mesmo que isso só fosse vantajoso para ela mesma. E restou ao Eduardo sua inútil companhia, as lembranças inúteis de um fresco presente destruído e um inútil sorriso idiota.

Os dias, obviamente, arrastam-se como se nem existissem. O tempo passa apenas fora. Dentro do Eduardo, são apenas sucessões de horas, de minutos, intercalados entre o sono, as refeições, as caminhadas e a livraria. Uma hora embaixo do chuveiro, mais outra para mastigar o miojo frio, dez minutos admirando uma encantadora barata, mais trinta admirando a encantadora TV, as centenas de luzes disformes projetadas pelos carros passando lá embaixo, uns sete minutos ponderando entre o chão e a cama, o colchão duro, outra noite em claro com a Izabel. Falta pouco menos de duas horas para o fim do quarto dia, tudo que o Eduardo tem feito é pensar no que fazer quando os nove se acabarem, e na Izabel.

Não é revolta, não é ódio (antes fosse), não é incompreensão, não é decepção, não é nem vontade de voltar: sobrou uma dolorosa compreensão, e a única escolha que o Eduardo tem é aceitar, e isso é sempre uma ferida aberta. Ele sabe que, por mais que o tempo o afaste da Izabel, ainda será impotente e irresponsável pelo seu presente, que poderia ser com ela. O Edu não acredita que haja outra fonte que lhe permita tantos momentos felizes. Esporádicos, quem sabe. É uma conformação injusta, um membro dilacerado, Eduardo é menos ele... É aí que começa a me machucar também.

Sexto dia. No trabalho, estranharam a decadência repentina. Carlos e Rose perguntavam o que tinha acontecido e o Eduardo limitava-se a dizer “aconteceu o que tinha que acontecer. Me dêem um tempinho”. Suspeitaram da morte de alguém próximo, de alcoolismo, de drogas ilícitas (Izabel é lícita), de problemas com dinheiro, de uma grave doença e, claro, “isso é desilusão amorosa”, concluiu a Rose. E resolveram dar o tempo ao Edu, “sempre foi um rapaz meio estranho, melhor respeitar”, disse o Carlos recebendo a aprovação da subordinada. Só o Luiz, o mais próximo de amigo que o Eduardo tem, ainda pergunta diariamente se ele está precisando de algo, se pode ajudar em qualquer coisa, e recebe toda vez a mesma resposta: “tô fodido, mas só preciso de uns dias. ‘Brigado mesmo assim, cara”. O Eduardo evita detalhar mais o caso, para não se aborrecer escutando conselhos idiotas e dispensáveis que, se resolvessem algo, ele não precisaria que os dessem, já estaria bem. E permanece em silêncio, letárgico, com os olhos fixos em pontos invisíveis aleatórios até algum cliente aparecer.

Oitavo dia. Se não fosse o Eduardo, não seria tão lamentável. Nu, andando de um lado par ao outro dentro de um cubículo abafado, às vezes senta na privada, e como um derrotado, sente pena de si mesmo. Talvez o que mais o atormente seja o súbito desaparecimento de sua vaidade e o murchar de seu ego. Ele, que esbanjava a confiança adquirida quando descobriu não ser tão comum; que sempre se deu um valor bem alto; que era inteiramente crente de si e tinha uma segurança invejada até mesmo pela Izabel (reconhecendo ter sido incapaz de amá-lo não fosse o Eduardo tão centrado e com uma personalidade tão marcante); agora sente uma vontade enorme de mergulhar no vaso sanitário e se libertar com a descarga. A frustração é maior.

A mente do Edu está fria e assustadora. Movida por uma lógica psicótica que, mesmo depois de sucessivas tentativas de alterar o resultado, insiste em colocar Izabel como o melhor e mais extraordinário que ele já experimentou ou experimentará. E tudo que não for ela, será algo parecido com mediocridade.

Décimo dia. Chega. Entra. Despe o uniforme. Caminha até a cozinha. Contempla a geladeira quase vazia por cinco minutos. Bebe água na garrafa. Vai até a pia entulhada de louça suja e nojenta. Liga a torneira. Aprecia o grosso feixe de água descendo rapidamente até estourar nos pratos. Regula a potência diminuindo a força da água. Volta a aumentar. Fecha outra vez. Torna a abrir. Coloca a mão direita embaixo d’água. Sorri. Finalmente sente algo novo. E escuta um barulho praticamente inédito. Batem na parta. Puxa por impulso a mão molhada. Demora a reagir. Batem forte. Anda com passos arrastados até a porta. Espera para ouvir as batidas de novo. Voltam a bater. Abre a porta.

- Oi. Eu sou a filha da dona Edith. Desculpa te incomodar. Eu sei que tu sempre paga o aluguel em dia, mas...

A moça fala atropelando as palavras, nervosa, meio assustada. Mas o Eduardo não tem ouvidos. Só olhos, contando sorrindo as sardinhas do rosto dela.

- Tá tudo bem contigo?

E o Edu que não derramou uma lágrima, nem no dia em que saiu do apartamento da Izabel, chora como um menino assustado. Chora desesperado, desabado. Soluçando de joelhos, apenas de cueca, agarrado às pernas de uma desconhecida.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Blog Novo.

Há coisas que não são cabíveis no vago. De início, eu pensava mesmo em postar aqui tudo que escrevo. Mas acabou que o coitado se habituou a receber minha parte mais... intensa(?). Enfim, o vago é muito sério e carregado. Os textos (pseudo)literários tomaram conta do espaço, e a minha postura ficou um tanto introspectiva demais.

Que fique claro que não estou reclamando de absolutamente nada. As coisas aconteceram naturalmente (aliás, como os escritos e tudo mais nesse blog).

O novo blog tem uma função mais organizacional mesmo. Os textos lá serão um pouquinho diferentes: mais irreverentes, mais casuais, mais salpicados de alegria, mais Pracimex, mais do balacobaco, mais... Bom, vocês verão assim que eu parar de enrolar. Espero que quem acompanha o vago também acompanhe o Égua, doido! (apesar da ciência de que pode não fazer o estilo de muito freqüentador daqui, correndo o risco de desmilinguir uns corações mais sensíveis).

Que fique muitíssimo claro: eu não vou parar de escrever aqui. O próximo post será o início do Capítulo 2 daquela história sem final.

Sem mais embromation: caso queiram perder tempo lendo ironias, sarcasmos, bizarrices, palavrões, merdas, humor do pior tipo, análises destroçando o que há de mais desimportante nesse nosso mundinho repleto de gente estranhinha e desabafos de um cara neurótico puto com um monte de coisas: Égua, doido!

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Das Doces Invenções.

“Lá vou eu de novo, como um tolo
Procurar o desconsolo
Que cansei de conhecer
Novos dias tristes, noites claras
Versos, cartas, minha cara
Ainda volto a lhe escrever
Pra lhe dizer que isso é pecado
Eu trago o peito tão marcado
De lembranças do passado
E você sabe a razão”

Chico.


C2, infinito.


Eu fiquei imóvel. Virei uma daquelas estátuas antigas que têm gravadas nos seus traços metálicos corroídos pelo tempo a complacência de nunca ter existido. Deve haver ao menos uma dessa na tua cidade e, se há, tu sabes disso. Mas é bem provável que tu nunca tenhas enxergado os olhos de chumbo, quase deformados, belos e estúpidos, revelando a apatia de um sentir acéfalo. Da próxima vez que tu passares em frente a uma dessas, tenta te lembrar de mim e dos olhos. Eu vou tentar fazer o mesmo.
Desconhecidos são agrupados de possibilidades infinitas ambulantes. Dentro do silêncio, na superficialidade de carnes bem distribuídas e traços bem agrupados, na solidão partilhada envolvendo-os numa trama misteriosa e intrigante, na incapacidade de ler ou traduzir a grande epopéia arrebatadora que se passa atrás do olhar perdido, na grande aventura que é admirar como um espião ultra-secreto; antes dos gestos, das atitudes e das descobertas decepcionantes que desconstroem uma pseudo-perfeição presumível graças à capacidade que temos de nos enganar de um jeito tão sórdido, tão covarde e tão babaca que nem percebemos onde nós nos jogamos. Eu já desaprendendo a me portar.
Alguém que a ti é atraente e, por algum motivo besta, rouba tua atenção: a paixão que pensavas nem existir, o estímulo vital, 180º, a luz do teu esquecido espelho interno, a justificativa da tua esperança de bosta, o remédio para o tédio e a cura da tua sonolência, a vertigem que tu tanto querias, o entorpecimento poético tão frágil e lógico quanto a dopamina e a serotonina explodindo teu organismo, explodindo até tua alma: passou, perdeste. Nós perdemos tudo isso, nós perdemos toda hora.
Acho que é mais cômodo seguir nossa rotina escrota. É mais confortável nos matar um pouquinho em meio aos dias repetidos. Talvez, só talvez, assim seja bem mais fácil esquecer que hoje é o mesmo que ontem e, provavelmente, será a mesma porcaria que amanhã e depois. A mediocridade é uma dádiva, e eu sou ruim demais pra merecer isso.
Aperto no peito, adrenalina, mão no bolso, dedos no cabelo, sol fritando a cara, aproximação, olhos no rosto, cabeça levemente à esquerda, olhos nas nádegas. Belo rosto, bela bunda... E os segundos que precedem algo importante são tão extraordinários: deliciosos e torturantes. Nós sentimos prazer ao andar na montanha-russa, mesmo nos cagando de medo. Tem um quê de masoquismo, nos maltratamos com a espera pelo que nem sabemos. Maldita adrenalina. A paixão é só mais desses segundos, ela antecede seu próprio fim: apenas acontece a vida entre o nascimento e a morte, e é só. O que eu queria, afinal?
E ela? Antecede o quê? São tantas hipóteses: medo, uma risada, um susto, desprezo, desapontamento, indiferença, minha desilusão, surpresa, reconhecimento, meu desespero, uma conversa dispensável, um papo constrangido, as horas, um estranhamento, uma descoberta inexplicável, um toque, uma queda, uma perda, um arrependimento, uma paixão platônica, um papel ridículo, uma entrega, a doidice nem tão justificável assim, um beijo, uma viagem ao quinto dos infernos, outras palavras, essa loucura.
Eu conservava os segundos por diversão e vaidade, apenas para fingir ter absoluto controle sobre o improvável. Meu divertimento era experimentar a magia das verdades impossíveis que eu empilhava num castelinho de cartas repetidas. Mas eram verdades, até que eu me provasse o contrário, eram verdades incontestáveis. Sentia também aquele friozinho na barriga ingênuo que temos quando nos entregamos voluntariamente às ilusões: tendo plena consciência de que são o que estão sendo, e as chances de deixarem de ser, tende a levá-las ao mesmo fim fatídico dos segundos que as despertaram em mim. Eu sempre acho engraçada minha burrice, essa infantilidade me fazendo ser paradoxal falando desse jeito de um desejo primitivo, simples e natural, escondendo-o atrás da covardia, me protegendo da sua perda. Eu sempre sorrio diante de toda minha contradição, eu querendo o impossível: que as minhas escolhas não se anulassem. Falando até de coração.
Eu subi no ônibus paralisando o tempo enquanto meus olhos a fotografavam da janela. Carreguei os segundos, as teorias, as suposições, ela e todo resto da baboseira desimportante toda, tendo certeza de que a veria e teria tudo outra vez. Certeza mesmo. As chances de acontecer são bem grandes, é muitíssimo provável.
Enquanto não decido o que fazer com a minha invenção, eu preservo-a um pouco mais dentro dela mesmo. Quem sabe, amanhã, depois, mês que vem ou nunca, eu a use e vejo como isso funciona: o que resta depois do fim de quase todas as coisas que imaginei. A causa morte será sempre eu. Protejo-a de mim, então.
Quando deitar a cabeça no travesseiro, estarei pensando em hipóteses para dormir. Daí será como na tarde em que eu perdi uma tempestade enquanto ela embalava meu sopor e eu sonhava: quando acordei, a rua estava secando, e eu continuava inundado. Agora eu me pergunto, com um sorriso idiota e uma angústia estranha: de que valerá me afogar na minha pocilga de certezas em decomposição? A resposta eu encontro em uns olhos que já nem têm dona, e eu só lembro vagamente como são: embriagados, perdidos e tristes.





Faz um ano desde o primeiro post. Juro que até comecei a escrever algo saudosista, objetivo e babaca, mas achei muito mais justo poupar vocês disso. A gente não tem tanta intimidade assim.
Melhor a nostalgia de reviver velhos erros doloridos que já renderam tantas palavras bonitinhas. É estranho porque eu adquiri tanta consciência de mim, que já nem me importo mais com minhas bobagens, porque sei agora que são só minhas bobagens.
Sem o vago eu não seria o que eu sou hoje. Pior: não saberia o que eu sou hoje. Escrevendo a gente se conhece e se entende, isso é fundamental pra não sermos estúpidos. Ok, estúpidos inconscientes. Espero, sinceramente, que isso valha pra quem lê.
Eu já não escrevo mais por nada disso.
Quero agradecer muito a vocês que dão atenção a mim, sem vocês não teria tanto sentido. Muito obrigado.
É estranho vocês não me conhecerem, e vocês não me conhecem... Acho que é uma das grandes razões por isso aqui existir.
Viva isso. Huhu. (efusividade é sempre algo ridículo e/ou irônico)

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Não coloco título porque foi instintivo e expontâneo demais escrever isso. Às vezes, me sinto como se sentisse que se sentia o Chico Xavier. (:
Sinceramente, pra mim, não tem um sentido completo. Falo mesmo.



A gente fica assim, com jeito de quem não consegue dormir à noite. Daí, sem ter como te explicar, num momento de distração, entre um pensamento e uma idéia absurda, a noite entra na gente. Então, eu sinto a noite dentro de ti e me refugio no teu escuro. Mas tu és tão boba cultivando receios de menina...
Tu quase choras com medo de ti. Quase ouço tuas lágrimas rolarem amplificadas pelo breu. O escuro, de repetente, transforma o silêncio em barulhos palpáveis. Eu toco teus segredos escondidos no escuro, aí descubro que tua bobeira é justificável. Ainda assim, tu és tão menina cuidando de ti com esse teu exagerado zelo idiota...
Ah, se tu conseguisses te enxergar como eu te vejo agora. Teu maior medo é te enxergar dentro da tua noite. Já me sinto à vontade dentro de ti, livre pra te reorganizar internamente, pra ser tua cura. E a noite dentro de mim, é só uma extensão de ti.
Nós, querida, nós somos duas mentes doentias colhendo poesia com os olhos e tentando desesperadamente definir o que sentimentos com palavras sem elo e verbos poderosos enquanto, frustrados, gritamos agonias aos quatro cantos. Nós somos pobres coitados atormentados por ataques de lirismo barato enquanto mordemos nossas línguas desgastadas de tanto falar merda.
Continuas assim, me olhando intrigada tentando ver dentro dos meus olhos mareados e sonolentos, mas não vês nada: ou porque tu és muito menina, ou porque meus olhos estão tão desajustados que refletem a luz tanto quanto captam. Meus olhos são inúteis dentro da noite, e os meus olhos são a tua noite.
Assim, ainda que minha busca de tentar te desvelar seja vã, mesmo que eu me perca em teus encalços desconhecidos e nos ímpetos que despertas, e, se eu te entender, ainda te veja padecer na incompreensão diante de ti mesma, ainda há tua meninice. Se restar tua meninice e a noite, brincamos, com o teu medo e o meu desespero, de construir sonhos.



Parece e, talvez, seja mesmo. :D

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

O Dia Em Que Nos Olharmos.

Ahn, sei que quem entra por aqui não espera ler isso... Mas nesses dias eu só tô conseguindo pensar e dar meu tempo à música. Acho que tenho outra paixão, afinal.
Tô com um monte de idéias na cabeça, o problema é que, diferente da escrita, essas eu não posso por pra fora sozinho.
O próximo post será um texto bem bonitinho, prometo.
Enfim, falem mal.




Eu quero ver o céu desabar
Sobre as nossas cabeças entupidas
E quando desistirmos da salvação
Veremos os segredos escondidos
Confinados pelo medo do tempo

Eu quero ver o oceano lavar
Nossa imundice tão humana
O estrago de ambições idiotas
Para dançarmos finalmente livres
Em cima do mundo revogando

Eu quero ver o vento varrer
Cada dejeto inorgânico
Nós sorriremos realizados
Vendo o que levantamos
Ser destruído e nunca mais desejado

Eu quero ver a terra se abrir
Sob os nossos pés descalços
Perdoaremos nossos pecados
Talvez nós demos as mãos
Para cairmos todos juntos extasiados

Eu quero ver nos olharmos em prantos
E nós nos benzeremos com lágrimas
Chorando pelo que fomos.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Cândida Reza

Há um motivo pra essa baladinha piegas ter o mesmo título de um texto antigo.
É uma das coisas mais lindas que já escrevi.
Ao motivo.


Um corpo sem formas traçado sem riscos
Uma beleza concreta exprimida sem imagem
Que causa no meu peito sem ar a dor de um tiro

Meu desespero mede forças com minha vontade
Tua existência onipresente me servindo de abrigo
Eu estranho compreender o impossível

A leveza discreta de palavras mortas
Como a inexistência que me enlaça e me devora
Um pouco, tão pouco, que me esqueço de ter alívio

Tu és um sopro sem vento que me contenta
Como a luz da manhã de um domingo
Sob a qual eu navego a esmo num barco sem velas.

Meu espelho desfocado e invertido
Meus sinceros risos e segredos
Tu me acalentarás para sempre, pois existiu

Mesmo que eu suporte um eterno desencontro
Nasceu em mim uma certeza infantil
Que eu te devolverei quando matarmos o espaço.

E se tu não me bastas, se eu te temo e se eu não te tenho
Eu ainda assim me sinto feliz, porque eu te sinto.





Criei um profile no site Recanto Das Letras da UOL. Por mais que tudo que eu coloque aqui seja totalmente desprentesioso, achei melhor fazer isso pra garantir a autenticidade do que eu escrevo. Como lá tem Copyright, as coisas ficam mais seguras. Posto primeiro lá e depois aqui no vago.

Ah, grato pela atenção e comentários de novo.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Capítulo 1 - Parte 4 - Izabel

- Meu coração é um cubo mágico sem solução.
- Se é mágico, tem solução pra tudo.
- Não, se é mágico, ele sabe enganar bem.









- Não gosto de cobranças. Há motivos pra eu não querer estar contigo ou preferir estar com outros ao invés de ti, e nenhum deles é suficiente pra justificar qualquer desafeto. Pelo contrário, cara, eu te amo.

Eu escutava atônico enquanto ela mexia a boca, era como se tivesse subitamente aprendido japonês, estava querendo se exibir. Questões óbvias que contrariam a lógica de toda situação começavam me obrigar a fazer perguntas, tão idiotas, que eu me recusei a dirigi-las à Izabel. Ao invés disso, continuei olhando sua boca que agora tinha um sorrisinho sarcástico. Sinceramente, eu esperava que ela se apiedasse da minha queda e, mesmo que por caridade, voltasse a segurar minha mão para voarmos juntos e felizes. Eu sabia bem com quem e com o quê eu estava lidando, eu só me esqueci da preparação para isso.

- Tu entendes? Enjoa. Fica chato, óbvio. Preciso de surpresas, tu também. A gente já se descobriu e...

- Porra! Pára!

Parar... Eu sempre fui de adiar as coisas: a verdade ficando mais pesada, ganhando a carga do tempo, dói mais assim. Mas eu sei que se sentisse isso, que experimento agora, no início, eu não teria tido coragem para ir tão longe. Às vezes a gente precisa dar algo em troca para poder continuar tendo certas coisas, eu ofereci a mim mesmo auto-enganação para ficar com a Izabel. Agora ela vem assim, cínica e insensível, querendo tirar o que eu me dei com tanto esforço.

- Parar com o quê!? Tu me conheces, merda, não te faz de besta. Sabes que mediocridade não é comigo! E não falo isso pra te menosprezar não.

- Caralho! Acabas de dizer que ficar comigo é sinônimo de mediocridade! Ainda tem a cara-de-pau de dizer que não estás me menosprezando!?

Essa é a parte em que eu adquiro um comportamento agressivo e incoerente, assumindo uma postura infantil para me iludir mais alguns segundos ao invés de aceitar que não tenho capacidade para ter ela. É mais ou menos o que acontece quando algum parente próximo morre subitamente e lançamos pragas e protestos culpando deus quando já não há nada para fazer, já que ele não traz ninguém de volta. A diferença é que a Izabel é mais palpável e consegue ser mais cruel que deus.

- Pra quê isso tudo? Estás te fazendo de burro por quê? Acho que o mais que podemos ter é sempre melhor e mais significativo do que já temos, por muito que seja... Porra, é uma questão tão lógica e simples. Qual a dificuldade pra tu entenderes isso, Edu?

- Tu estás me anulando. Esse é o problema.

- Eu te amo, seu idiota.

- E isso não te basta?

- Claro que não! Amor, só esse amor, não é tudo. Não dá pra resumir todas as possibilidades que a vida oferece em uma só pessoa. Eu já te disse isso três vezes.

- Não posso aceitar isso.

- Não é questão de aceitar. É assim, eu sou assim e acho que todos nós somos assim... Não queres enxergar... Merda, tu nem fazes questão de me entender! Tudo isso por quê!? Por imaturidade, puritanismo e hipocrisia... Acabou, Edu.

Foi assim. Entre ‘’caralhos’’, ‘’porras’’, “merdas” e fodas extraconjugais. Ela acabou comigo. Eu fiquei estático contemplando aquele poço de arrogância e prepotência espalhando roupas pelo chão e socando nas malas. Aí ela quebrou o porta-retrato, rasgou a foto que tiramos na montanha-russa e me mandou ir embora.

Por algum motivo eu sorria. Então fico aqui, sentado nessa pseudo-cama de colchão escroto, para tentar me compreender e... Lembrar.

Lembrei... Lembrei que me encantei com o jeito expansivo, a postura subversiva e contestadora que faz eu me sentir na época da ditadura: uma advoga assumidamente vendida que condena as leis que aplica, eu me divirto com ela. Tem também as teorias mirabolantes, as indagações existencialistas, as filosofias de amor platônico, a crença em ideais utópicos, as auto-ironias e como ela acha tudo isso meio ridículo... Ela é complexa e anormal, e foi justamente isso que me atraiu. Lembro e rio.

Agora vou passar a noite e o dia seguinte mergulhado em recordações e, talvez, com um arrependimento absurdo. Capaz de eu perder o emprego, Izabel consome tempo. Foda-se.

A desgraçada acabou comigo e eu sorrio apaixonado.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Capítulo 1 - Parte 3 - Izabel

Agora eu gasto as horas do início da noite me sentindo um completo escroto.

Até a semana passada eu preenchia o intervalo entre as sete e as dez lendo. No fim do expediente, às seis e meia, tomava o café sem graça da garrafinha térmica esquecida ao lado da estante de livros infantis. Eu pegava algo interessante no almoxarifado e lia até ser surpreendido pelo desaparecimento das letras, as dez, quando o Luiz desliga as luzes dos corredores. Uma noite dessas, eu estava tão distraído com as memórias das putas do García Marquez que, quando a penumbra apareceu, eu continuei a leitura usando a iluminação do celular. O Luiz, a Rose e o Carlos pensaram que eu já tinha saído, fecharam a loja e eu fui obrigado a dormir na sessão de auto-ajuda, jogado em cima da poltrona desconfortável que nunca é agraciada pelas nádegas de nenhum cliente. Eu sonhei com anjos, acordei com torcicolo e com medo no outro dia. Isso, lógico, antes da Izabel.

Claro, a possibilidade ter centenas de livros ao meu alcance (e de graça, óbvio) foi o que mais pesou na hora de eu decidir que meu emprego fixo seria numa livraria. Além do quê, o trabalho é fácil e não sou pressionado. Basta um sorriso no rosto, um pouco de educação, atenção e interpretação que a pessoa sai feliz e satisfeita da loja, carregando algo que vai ler e depois, de tudo que leu, só lembrará o título e fará um resumo porco a quem perguntar sobre o livro. O Carlos disse que sou um bom vendedor e, se eu continuar assim, eu posso até ser promovido a supervisor em uns meses: ele falou isso de um jeito tão pomposo, com um sorriso tão grande e transpassando tanto estímulo... Era como se soubesse que desde menino já fantasiava com isso, meu maior e único e sonho, minha realização profissional, a chave que abriria a porta do quarto onde está trancada minha felicidade gigantesca: eu me tornar um admirável e todo-poderoso Supervisor de alguma porra. Eu terei até um crachá?

Merda. Eu encaro o livro, corro os olhos pelas letras, junto dois períodos e perco a linha da narrativa. Melhor seria ler uma coleção de poemas de amor. Aí sim, eu justificaria a pieguice com mais pieguice... Eu enrolo falando de mim porque sou egocêntrico, e, agora, eu sou a única coisa maior que a Izabel. Até agora. As palavras da Izabel, os risos, os trejeitos, o olhar, os sons... Fico repassando tudo, como se não houvesse mais nada para pensar que não seja ela.

Jovem advogada bem sucedida; mora sozinha num apartamento duplex (próximo à livraria, aliás); acredita em E.T’s; não acredita em deus; sonha em dar a volta ao mundo; tem medo de grilos; não tem medo de baratas; conta ter visto o papai Noel voando em seu trenó; gosta de vermelho-puta (tom que ela mesma inventou); gosta de vestidos floridos, por ser muito irônico usá-los; tem um sexy ar de drogada; disfarça brilhantemente sarcasmo com simpatia; é encantada pelo cheiro de jasmim; gosta de soverte de cupuaçu; odeia ter que acordar cedo; odeia ter que dormir cedo; odeia abacate; odeia salto alto; odeia a dona Joana; odeia carne de porco; odeia pessoas efusivas; odeia não poder beber a hora que quiser; odeia lugares lotados; odeia gente vazia; odeia discussões estúpidas; aleijou um gato quando era criança porque ele arranhou sua bochecha (justifica-se dizendo que não queria nada mais que assustá-lo); quebrou o dedo de um ex-namorado porque ele lhe apontou o dedo e ela estava porre (acha justificável); acha casamento coisa brega; acha filhos perda de tempo; acha os pais obsoletos; acha que a humanidade está condenada a pagar por todos os seus erros e que, no máximo, em um século a vida será extinta por catástrofes naturais e só sobreviverão as baratas; me acha jeitosinho; não se importa muito com o futuro da raça humana; se importa um pouco comigo; precisa trocar a fechadura da porta do banheiro de visitas; não aceitou minha ajuda quando me ofereci para trocar a fechadura da porta do banheiro de visitas, assegurando ainda, que não precisa de mim; perdeu a virgindade com treze anos; diz ser sensível e passional (nisso eu não acredito); já se relacionou com um cliente que era réu confesso; já se relacionou com a melhor amiga; fala que eu sou estranho; se considera estranha; não sabe nadar; desaprendeu a andar de bicicleta; queria morrer afogada, só pra ver como é; já levou um tiro no braço porque se recusou a dar o relógio de ouro ao assaltante; prometeu morte ao assaltante que lhe deu um tiro no braço e depois o perdoou, quando soube que ele foi assassinado; afirma já ter provado todos os destilados existentes (nisso eu acredito); guarda garrafas de absinto com teor alcoólico de 74% na dispensa (ela diz que são ilegais); encomendou três garrafas de arake à prima que foi a São Paulo; jura que vai parar de beber, pois a bebida está deixando sua pele horrível; já caiu em coma alcoólico duas vezes e meia; compra pipoca apenas para alimentar os pombos; não gosta de pombos; diverte-se com o jeito dos pombos se mexerem; queria ter um pombo de estimação; tem um vibrador de estimação; adora se olhar no espelho nua; tem o ego maior do que ela; é meio psicótica; é totalmente neurótica; confessa ter características típicas de psicopatas; pensa que a maioria das pessoas não passam de um bom passatempo; me elogia dizendo que eu sou um passatempo interessante; venera o Saramago; ama o Chico; curte dançar rock; ainda sabe tocar um pouco de piano; quebrou o seu piano; paga as contas em dia (menos o condomínio, de propósito, apenas para chatear a síndica-idiota); não se incomoda em ter somente três amigos; é a favor da reforma agrária, da igualdade sexual, da legalização aborto e do sexo casual; me dá medo; me provoca calafrios; me surpreende a cada fala; faz eu me sentir feliz por estar vivo; faz eu sentir vergonha de mim mesmo; instalou-se na minha cabeça e vaga feito fantasma, mesmo nos pensamentos que não são dela... Não eram.

A Izabel é uma droga. Como as drogas, ela resume minha existência a si. Ela faz inconscientemente, eu, mesmo consciente, não consigo escapar... Sabe, as drogas também matam, e eu decidi que não quero morrer ainda. Tenho razões magníficas para gostar da Izabel, mas as razões para deixar de gostar dela são melhores. Sou racional demais para ser um simples amigo de uma Izabel.

Não. Tenho que concordar: deixar de gostar é meio difícil... Vou dividir o que eu sinto pela Izabel. É! Vou fatiar o sentimento. Meu coração é uma pizza que será divido por oito ou mais mulheres. É, é assim que vai ser... É assim que era antes. Quem sabe não recupero minha individualidade? Paradoxal, mas foda-se. Argh. Acabou.

Merda... Seis paradas... Quero apagar... Não, quero a Izabel.

- Boa noite. Novecentos e dois. Diga que é o Eduardo.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Ponto e vírgula parêntese.

De Artifício, entre uma estrela azul e um círculo verde.

Ao lado, os familiares próximos juntavam-se aos familiares longínquos que se misturavam ainda com aqueles desconhecidos que eu tenho o direito de desconhecer. Superaglomerados humanos nunca me agradaram, para mim, parece sempre uma micareta disfarçada de qualquer outra coisa. Mas eis que o calor humano e aquele clima de confraternização (onde saudamos recém-conhecidos com todo o entusiasmo do mundo), talvez amplificado pelas centenas de pessoas ou, quem sabe, aproveitando-se da minha sensibilidade aguçada, me fizeram sentir arrepios na espinha. Dirijo, então, meus olhos para o céu quando os primeiros estrondos começam e as últimas pessoas terminam de me dar as mais sinceras felicitações e comprimentos.

Vermelho, riscos, azuis, bolas, alaranjados, anéis desfazendo-se, amarelos, arcos, cinzas... É, se superaram esse ano... Os olhos! Quero ver se enxergo nos olhos alheios a mesma sensação boa daqui de dentro. Nesse momento, passa pela minha bêbada cabeça a idéia mais extraordinária, brilhante e inteligentíssima que eu já tive desde o ano passado: subir num banco.

Tenho altura mediana, nada me impediria de olhar para os lados e enxergar perfeitamente uma dúzia de rostos encantados. Mas, para não me contrariar, decidi procurar um banco onde haja, ao menos, um lugar para a ponta dos meus sapatos. Ficando uns trinta centímetros mais alto, meu campo de visão aumentará muitos metros, pensei sabiamente eu... Não, essa não é uma daquelas histórias tragicômicas que precisamos contar para o máximo de gente possível, numa tentativa desesperada de nos livrar da vergonha que sentimos de nós mesmo. Sinto decepcioná-los: eu não caí nem na frente, tão pouco em cima, da multidão de pessoas que me cercava.

Era uma praça, então eu me afastei em direção às extremidades procurando os bancos de madeira que, provavelmente, teriam mais espaços que os centrais (onde a concentração humana era maior e as árvores enormes não bloqueavam a vista).

Roubaram minha idéia. Alguém muito bonita roubou minha idéia.

Cinco metros me separavam do banco. Do vestido branco contra o vento moldando um corpo magro, lindo. Dos cabelos ruivos dançando. Dos olhos.

...

A seguir um diálogo torto, meio desfalcado, que resultou em beijos e num sonho:

- Roubaste minha idéia, hein.
Falei nervoso e meio sem jeito.

- O quê!?
Disse ela espantada, talvez pensando que eu fosse assaltá-la. Eu pensava na sua boca.

Silêncio.

- Subir no banco pra ver as pessoas, idéia minha.
Tentei me justificar, já arrependido de ter iniciado aquilo.

- Bonito, né?
Os olhos dela brilhavam. Mas ela olhava para os meus olhos, não para as pessoas.

- Não sei, eu tô aqui embaixo.
Falei soltando um riso estúpido.

- Ué, sobe aí!
Sorriso enorme, um passo para o lado, mão estendida.

Pirotecnia.

À tarde, eu sonhei que encontrava uma cidade perdida. De longe eu só conseguia ver uma grande muralha, na verdade, acho que era uma fortaleza. Ela ficava à beira mar, numa praia deserta. Tinha água escorrendo: fios de água passavam por debaixo do muro, depois se ligavam e formavam uma pequena lagoa em frente à fortaleza. Da lagoa, a água seguia num riozinho para o mar, bem próximo dali. O céu estava um pouco nublado e a água azul brilhava muito forte. Um narrador invisível me disse, por algum motivo, que a água era fria e que eu aproveitasse. Quando me aproximei da entrada, enxerguei apenas pedras gigantes dispostas aleatoriamente no interior: como estátuas da ilha de Páscoa, porém, sem forma. Naquele grande labirinto surreal, corria nua sobre a areia branca uma moça ruiva, rindo sozinha. Eu corria atrás dela. Eu a alcançava.

...

- Alô.

- Ôôiiê... Ponto e vírgula parêntese...

- Hã!?

- Rararará!

- Rararará!




Muito feliz ano novo. Que os sonhos de todos se realizem eticéteras, eticéteras, eticéteras. ;)