sábado, 12 de julho de 2008

Atrasos.

- Nossos relógios marcam horas opostas. Como os ponteiros se encontrarão?
...Depois de tanto tempo era só uma lembrança pouco menos que apagada. Como aqueles sonhos confusos das madrugadas exageradamente tranqüilas: eu me recordava de imagens soltas, desencontradas umas das outras, uma névoa estranha encobrindo os ambientes, cores desbotadas, e eu sendo contrariado. Agora vejo alguém que não sou eu agindo no meu lugar...
- Três anos.
...Quando chove, o barulho das gotas se espatifando no telhado traz as noites que passávamos ao relento, e ela olhava e, em meio a cumplicidade que nos delatava, sorria e perguntava: ‘‘Nossos relógios marcam horas opostas. Como os ponteiros se encontrarão?’’ Ria meio sem jeito de volta, pensava em horas, minutos, dias, ponteiros, passagem e nela. Depois olhava para o céu nublado tentando ler nas nuvens laranjadas a resposta que eu não conseguia formular, e aí vinha um silêncio seco...
- Sabe, mesmo acostumado com a ausência, não posso evitar nostalgias alucinadas que vêm sem precisar de razões, remetentes ou momentos marcados.
...Olhava de novo para o rosto instigante ao meu lado, e aquela silhueta no meio da escuridão da madrugada ficava quase invisível encoberta pela sombra dos meus pensamentos: voando desorientados buscavam desesperadamente lógica entre relógios, tempos, chuvas, contrários, noites, viagens, torrentes e um casal embaixo do crepúsculo vermelho. E eu podia sentir o brilho dos olhos dela, fixos em mim, esperando ansiosos uma resposta. Vê-los apagar depois de balbuciar algumas besteiras me deixava mais furioso do que triste. Por não saber a resposta, que julgava ser algum clichê estúpido não muito mais criativo que os desconexos que eu arriscava, eu me sentia em um nível totalmente inferior ao dela: um andar a menos, anos atrás. Talvez por vaidade excessiva, egoísmo inexplicável, ou mais provavelmente, por ansiedade desmedida, a minha ignorância diante dela e daquele problema sem solução aparente, colocava-a em um lugar afastado...
- Não querias se aproximar, querias passar.
...Foi então que acabou. Era um dia quente de verão, como hoje: céu desmanchado em azul, sol servindo de enfeite, uma brisa fria vinda de canto nenhum soprando ligeira, instantes intermináveis, corações disparados, gritos de vozes embargadas misturados a lágrimas de um desespero irremediável, e eu de pé encarando meus faróis sem alento...
- Ainda a vejo sempre como o centro e o eixo, sou sombra e rodo perdido ao redor de ti cada vez mais depressa, tonteio, quase caio, e aí acordo.
...O sonho começava e terminava com ela, e dela lembro mais do que queria lembrar, lembro tanto que não é preciso ir até o passado para encontrá-la: é como um presente ausente, como sempre foi. Não estava organizado o suficiente para escutar de outro lugar, senão da mudez dos pesadelos amargos, a mesma pergunta que me desequilibra hoje como símbolo de um futuro interrompido, de morte.
- Não se encontram. É isso.

9 comentários:

Lizandra Santos disse...
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Clareana Arôxa disse...

Li esse texto em voz quase alta - aquele tom de voz que se lê um poema, palavras que se sublimam em instantes. Eu já vivi algo parecido: relógios descompassados, coração desritmado e essa incerteza de um presente misurado a um passado ou um momento interminável. Fato foi a intensidade, a complexidade do sonho, das imagens, o azul se esvaindo em laranja. Tudo é céu.

As tuas palavras me encantaram.
Gostei bastante de você também, tais adicionado por lá.

Um beijo!

.Ná. disse...

Que texto! Adorei! Voltarei sempre com certeza...
E bebados rememoriados existem em todas as partes, pelo que vi no pos abaixo.. ahaha
Bjos

disse...

oi. curti o blog. vou te linkar ok?

abraço

disse...

oi. curti o blog. vou te linkar ok?

abraço

Bárbara M.P. disse...

Olá Tiago...

Bons ventos o levaram até o "Cartas" e lá fixaram seus passos para que eu pudesse segui-los e chegasse até aqui. Vou guardar bem este caminho para voltar, sentar à beira da estrada e ler suas palavras com a tranquilidade que sinto que merecem. Um ótimo final de tarde por aqui.
Bárbara

Anônimo disse...

Gostei tambem, so nao consigo verbalizar o tanto!!
Ta linkado no meu!!
um abraço

Filipe Garcia disse...

Oi Tiago,

prazer em lê-lo. Conhecer suas letras, seus versos, sua poesia me trouxe grande alegria. Notei alguns tons do seu texto que se assemelham à minha escrita e isso me instigou a lê-lo e apreciar seus escritos como quem delicia-se com a própria escrita. Vou passar pelos outros "posts", creio que não irei me arrepender.

Um abraço.

Luciana Clarissa disse...

ler esse texto foi como parar no tempo, respirar outro ar e no: "não se encontram. é isso", voltar a realidade.
PALMAS PARA VOCÊ.
consegue me fascinar.

beijos;*