quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Trem.


Tão desigual, tão relativo, tão injusto.
Penso nele, penso no que pode trazer,
No que não trouxe, no que irá trazer, quando irá trazer,
Como irá trazer, se irá trazer.
Espero, anseio, crio, queixo. E em lamentos,aguardei, guardei.
Mas ele é um trem com infinitos vagões,
E nenhum dos vagões trouxe o passageiro que esperava.
E partes de mim foram carregadas.
Meu anseio, minha esperança, minhas promessas,
Minha expectativa, minha ambição, minha pretensão,
Minha paciência, minha vontade...

E se perdi a vontade, de que adianta esperar o trem.
Cansado de acreditar, de pé na estação,
Com frio, fome e medo.
Chove, e o meu devaneio é carregado pela água.
E água me arrasta, não nado mais.
São só alucinações, o trem continua a passar,
Parar de esperar não vai antecipar,
Desconfio que o passageiro não embarcou,
Creio até que não existe, e de que adiantou esperar.
Talvez seja melhor pegá-lo,
Já que não traz, que me leve.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Girassol.




A luz intensa, atrás,
Atinge-o fulminante,
Imóvel, vê-se projetado a frente
E é isso que enxerga.

Uma sombra.
E como sombra,
Só o envolto,
Luto para manter a forma.

Visto de costa,
O contrário,
O brilho reflete e cega.
Ele é espelho.

De frente,
A claridade inibe a vista.
Nada além de outra sombra mais densa,
A silhueta.

Não, não é impossível vê-lo.
Num ângulo, cento e oitenta,
Quando a luz o incide revelando sua essência,
Mostra-se insólito, exponho.

Raro, escolhi, infreqüente.
Raras às vezes em que revelou sua essência.
Raros os momentos em que a claridade supera a sombra.
Raras as luzes que fazem girar.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Descoberta.

_ Que fazes aqui?
_ Descobrindo, e tu?
_ Indo. O que queres descobrir?
_ O que ainda não descobri. Onde queres chegar?
_ Onde ainda não fui.
_ Onde ainda não foi?
_ Onde ainda não descobri.
_ Então estás descobrindo, não indo.
_ Só posso descobrir indo.
_ Não é porque está indo que vai descobrir.
_ Então é por quê?
_ Podias estar indo para onde já descobristes.
_ E tu poderia descobrir o que já descobristes.
_ Já descobri o que já descobri.
_ E eu já fui para onde já fui.
_ Poderias voltar.
_ Poderias redescobrir, não descobristes tudo.
_ E tu não fostes para todos os lugares de onde viestes.
_ É verdade.
_ E o que ainda não descobrimos?
_ Muito. O que já descobrimos, por exemplo.
_ Não há nada para descobrir pela primeira vez?
_ Há. O que fazemos aqui, por exemplo.
_ Estamos aqui para descobrir.
_ E por que temos que descobrir?
_ Ainda não descobri, mas pretendo.
_ Descobrirás outra coisa.
_ O quê?
_ Não sei, ainda não descobristes.
_ Como sabe que vou descobrir o que nem sabe o que é?
_ Se não sei o que é, é porque ainda não descobristes.
_ Como pode ‘ser’ se nem sabe o que ‘é’?
_ Não sei quem és, não significa que não és.
_ E se ainda não tiver me descoberto?
_ Então não és.
_ Se não sou, não preciso saber o que faço aqui.
_ Tem razão, mas já te descobristes.
_ Estás certo. Se eu descobrisse antes, não me descobriria.
_ E agora, o que fará?
_ Sair daqui, e tu?
_ Vou contigo, para onde vais?
_ Preciso descobrir isso também.
_ Como podes ir se nem sabe para onde vai?
_ Então vamos ficar aqui.
_ E por quê?
_ Para descobrir o que fazemos aqui.
_ Sim. Somos dois, será fácil descobrir.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Nada em lugar nenhum.

Era noite, madrugada. Estava escuro.
As folhas balançavam-se calmamente em seus galhos, havia muitos galhos. O vento soprava despretensioso, tinha todo tempo do mundo para soprar, o tempo era sua exclusividade. A rua estava deserta, experimentava a liberdade. Nela, não havia vestígios de vida humana, como se ela nunca tivesse existido. Mas a rua não estava morta, havia árvores de ambos os lados. E elas pareciam espantadas, curiosas, talvez sentissem inveja. Ele andava.
Só, andava. Não sabia para onde, não se lembrava. Sentiu-se tonto, perdido. Queria saber onde estava, e principalmente, porquê estava. Já andará na direção oposta, deparou-se com um beco sem saída. Entendeu que a rua só tinha um sentido. Seguiu em frente.
A rua não mudava. Ele estava se cansando de andar.
Ofegante, sentiu a fadiga tomar conta de seu corpo, os músculos das suas pernas tremiam. Estava quase desabando quando avistou no vão entre duas árvores um banco. Havia um vulto sentado, provavelmente alguém que também se cansou de andar. Ele se aproximou com dificuldade e deixou-se cair no espaço vago ao lado do desconhecido. Respirou pausadamente, sentiu seus músculos dilatarem, todo seu corpo adormeceu. Por um momento esqueceu-se da pessoa ao seu lado, não era importante. Só depois de uns minutos, quando finalmente voltou ao seu corpo, olhou para o lado. E sob a luz delicada e branda da lua viu-se.
Ficou sem pensar por uns segundos, virou árvore.
Depois, num misto de espanto e perplexidade, perguntou com a voz embargada:
_Quem és tu?
Escutou um sorriso, e pelo tom percebeu que era sarcástico. Então sua imagem retrucou:
_Não me decepciona. Esperava bem mais de ti. Sabe quem eu sou, por que fez a pergunta se conhece a resposta?
Ele ficou assombrado, sentiu-se ofendido e desafiado por ele mesmo. Com voz baixa, quase inaudível, revelou o que pensava:
_Isso não faz sentido...
O vulto rio. Divertiu-se, e num tom de deboche, perguntou:
_O que faz sentido pra ti?
A pergunta ceifou seus pensamentos, então percebeu que não havia lógica, sentiu-se vazio.
Um breve silêncio instalou-se entre Ele e Ele, mas poucas coisas são tão frágeis quanto o silêncio.
_Onde pretendes chegar?
_Em lugar nenhum.
_Estavas andando, logo pretendia chegar a algum lugar. E ‘nenhum’ não existe, sabes disso.
_ Não sei de nada.
_’Nada’ também não existe, e também sabes disso.
Ele sorriu.
_Não lembro o que aconteceu, quando percebi estava no meio da rua. Andei na direção oposta e cheguei a um beco sem saída, agora estou voltando, a rua só tem um sentido.
Um silêncio maior que o outro se formara, bem mais denso e sufocante, o ar ficou pesado. As árvores riram.
_Não, a rua não tem nenhum sentido.
_Nenhum não existe.
_Na direção que estás indo também tem um beco sem saída.
_... O que faremos então...
_Nada... Estava indo na direção oposta.
_Nada é muito.
_Não temos muito que fazer além de andar de uma ponta a outra da rua, não podemos fugir disso, nossas vidas se resumirão em bater nos muros.
_Talvez eles quebrem.
_Nos quebraremos primeiro.
Ele riu outra vez, riu muito. Não havia pensado naquilo.
_Ora, então vamos. A rua, como nós, é só um ponto de vista.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Divagações óbvias sobre o óbvio.

Digo que não gosto do óbvio, mas não tenho nada contra, ele simplesmente não me empolga.
Saber como é, o que vai acontecer, como acontece e por que acontece é frustrante. Óbvio que não sei tudo, tudo é muito. Mas é como viver algo que já vivi, assistir um filme repetido.
Não consigo esperar ansiosamente os mesmos atores, interpretando as mesmas cenas, com os mesmos gestos, as mesmas falas, os mesmos dramas, as mesmas graças (que se perderam há tempos, porque são óbvias demais, e graças não podem ser óbvias), vivendo uma história que já conheço. Já revi o mesmo filme várias vezes em telas diferentes. Distraio-me, mas óbvio que não me empolgo.
Não me surpreendo facilmente, e isso é muito, muito ruim. Não sinto a magia de descobrir o novo, o inesperado, de experimentar a empolgação única que a surpresa trás, e extasiado, ver que eu estive completamente enganado e que não sei. E depois viver ansiosamente a espera, e pouco tempo depois ser surpreendido de novo, e de novo, porque depois que se é surpreendido uma vez óbvio que seremos de novo.
Raros os filmes que me surpreendem, que me empolgam, que me animam, que além de me distraírem me envolvem e me colocam na tela, e eu participo da história. Vou pra longe, deliro, me apaixono, e esqueço que existe o óbvio. E eu não canso de vê-los e revê-los, sei que será diferente. Sinto-me renovado, e a vida torna-se bem mais interessante, porque viver o que sei que vou viver não me empolga.
Como adoro aqueles filmes...

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Quis o que queria.

Sempre quis. Tudo que queria era conseguir o que queria.
O que queria era só felicidade, apesar de querer.
Mas o tempo que passamos querendo faz esquecer que podemos ter. E de tanto querer, o que quis acabou por ter o que queria.
Aprendeu tarde demais que antes de querer é preciso saber por que querer. E o que quis não sabia nem como queria.

Depois, depois da admiração, do desvendamento, do conhecimento, veio a previsão.
O que quis teve o que queria, mas o que queria não queria mais o que quis.
O que quis, então, roubou a felicidade do que queria.
Veio a dor e a tristeza. E poucas coisas são melhores do que dor e tristeza pra reavaliarmos nossos quereres.

O que queria continou querendo, e o que quis, quis voltar a querer.
Finalmente percebeu que queria errado, e não quis mais ter o que queria.
Sofreu...

Queria muito o que queria. Acho que amava demais.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Coisas que saíram de moda.

Hoje conheci uma pessoa muito especial, conhecer é modo de dizer, não é simples conhecer alguém, mas disso falo outra hora.
O ônibus parou e um grupo grande de pessoas se posicionou próximo à porta de entrada, a maioria era idosa, então eu, e as outras pessoas que viveram menos, esperamos pacientemente nossa vez de subir.
Não foi fácil chegar até a roleta. Na parte da frente, alguns ocupavam os assentos preferenciais e tiveram que se levantar pra dar lugar a quem que tem direito de usá-los. Isso gerou um pequeno tumulto, mas foi uma confusão irrelevante comparada a que fez uma senhora que estava na minha frente tentando pagar sua passagem.
Devia ter uns cinqüenta anos, talvez um pouco mais, sua mão esquerda estava enfaixada, quebrada, eu acho. Estava bem vestida, provavelmente sairá da igreja, sei, porque vi dentro de sua sacola um jornal (ou seja lá o que for) com os dizeres ‘’Igreja Universal’’.
Ela jogou uma pequena bolsa de moedas na frente do cobrador, que não deu muito importância e continuou a receber das outras pessoas que estavam atrás (e não eram poucas).
A pequena senhora começou a ficar vermelha, falou algumas coisas num tom de voz mais alto, passou pela roleta, e sentou no assento bem ao lado do cobrador. As outras pessoas (e isso me inclui) passaram, fiquei de pé ao lado da dona, mas o cobrador recusava-se a tirar o dinheiro da bolsinha verde.
A discussão ia longe, a mulher, visivelmente alterada, já soltava ‘’porras’’ e estava a ponto de xingar (se é que não xingou) o cobrador que inconformado, mas impotente diante da situação, só pedia respeito. As atenções e os comentários estavam todos voltados a eles, a polêmica estava formada.
Eu poderia continuar falando da mulher mal-humorada, da falta de bom senso e respeito, de hipócritas moralistas, de pessoas que compram esperança de plástico e andam por aí pregando bons valores esquecendo-se de vivê-los, que classificam quase tudo como imoral e pensam pequeno, ou não pensam. Isso pode esperar.
Eis que do fundo do ônibus escuto: ‘’Olha o picolê, geladinho, dê tudos os sabôres’’. Olhei pra trás e vi um senhor com um isopor de 20 litros no colo, o adesivo colado numa das laterais mostrava o cardápio dos picolés. Devia ter a mesma idade da senhora estressada. Usava roupas bem castigadas. Uma camisa branca encardida, uma calça jeans surrada, e um chapéu de cowboy marrom desbotado. Não me esqueço mais da fisionomia indescritível daquele senhor. Tinha as bochechas grandes, os olhos próximos ao nariz e o nariz do queixo, e tudo próximo da boca. Não foi fácil perceber que ele esteve sorrindo o tempo todo. Soltou outra: ‘’Num vô saí daqui não, tá muito sôl lá fôra’’, tentando, em vão, descontrair o ambiente depois da tensão que havia se formado. Mas, não foi o fato dele falar errado que me impressionou. Ele falava como um bêbado (e talvez estivesse mesmo), enrolado, mas era compreensível, quase cantava. Onomatopéia nenhuma chega perto de demonstrar a maneira única daquele homem se expressar.
Fiquei sorrindo. Admirando sozinho aquele senhor ignorado, que sempre rindo com sua cara estranha e simpática ao mesmo tempo, fazia a propaganda de seus picolés, indiferente à discussão que prosseguia mais à frente.
Escutando o locutor de rádio dos anos 50 de voz grave e melódica que saiu de moda, tive a impressão de que a coisa mais importante e divertida do mundo é vender picolés.
Continuei sorrindo.

Sob a noite.


A pouca luminosidade,
O círculo multiforme,
Os pontos piscando longe, bem longe,
O silêncio,
O sossego,
O ar úmido soprando gélido,
O aspecto soturno, quase indecente.
A paz.

Sombra,
Personagens, escondendo o protagonista,
Lampejos de lucidez,
Barulho,
Inquietude,
Temores sendo carregados,
Atmosfera densa,
Desespero.

O paradoxo, a amguidade,
O anseio pela noite,
Que tarda tanto a chegar,
O dia longo que arrasta o tempo.
Percepções únicas,
Felizmente.
Mas, como seria (mágico),
Se o dia fosse puramente a noite.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Sinto muito.





Tanto.
Por trás de algo há sempre outra coisa,
E atrás desta, outra e outra...
Consigo vê-las, não claramente, mas consigo.
E é bom ver sem enxergar demais,
Dentro de mim se distorcem.
O que eram não importa.

Não é sempre,
Sempre é muito, e só o tanto é muito.
Mas há momentos em que consigo percebê-lo,
Momentos efêmeros, como todos os momentos.
Não. Nesses é diferente, o tempo é desigual.
O início e o fim são pontos de uma esfera, eu estou no centro.

Momentos em que eu não sou eu,
Deixo de fazer parte de mim, me junto ao tanto.
Ah, como o tanto é maravilhoso...
Não há lugar para o espaço, tudo é um só.
Não faz sentido. Mas não é isso que importa,
O que realmente faz valer, o que faz continuar, é simplesmente S
entir.
E eu sinto muito, muito.


domingo, 17 de fevereiro de 2008

Páginas em branco.




As palavras formam-se embaçadas,
É complicado lê-las,
É difícil achar sentindo,
Quando não há.
Não irão entender.

Poucos leram,
O livro escolhe o leitor.
O autor, egoísta, criou a história pra ele,
Egocêntrico. Incluiu-se como herói.
Não irão entender.

Ele escreve incessantemente,
Alucinadamente, intensamente.
Expõem. Ele a ele,
Vê através das palavras.
Não entenderiam.

Os personagens aparecem e somem sem explicação,
Apagam-se.
Mesmo os mais importantes,
Aqueles que inventaram quem os inventou,
Não entenderam.

O herói continua lá, não irá.
Luta, progride, sofre, cai, levanta, anda, tropeça, cai, sofre.
Ele morrerá no final.
O escritor poderia alterar a história, mas teria que mudar primeiro.
Não entende.

Quem entende?

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Fantasma.


Esconda a luz,
Ele está lá, do outro lado,
Mora comigo,
E só irá embora quando eu for.

Esconda a luz,
A penumbra nos esconde,
Sinto-me menos exposto .
Ele me conhece mais que eu.

Esconda a luz,
Ele continua estático,
Desafiando-me com seu olhar incisivo,
Mostrando-me as verdades que quero esconder.

Esconda a luz,
Ela o fortalece,
Eu não posso contra ele.
Certa vez lutei, perdi.

Esconda a luz,
Ele está roubando minha existência,
Quer meu corpo.
Não, consegue existir, só.

Esconda a luz,
Faça-o sumir,
Então darei as costas,
Mas ele continuará lá...

Esqueça a luz,
Ele é invencível, eu não
Farei parte dele, serei mais forte.
Quebre o espelho.