domingo, 28 de dezembro de 2008

Sobre cigarros, grilos, pingos e o vento frio.

Quando atiramos uma taça de cristal contra uma parede de concreto não queremos quebrar o frágil vidro, nós arremessamos o cálice na esperança de que ele derrube a parede e o teto que ela sustenta sobre nós.
Já não agüento mais essa entropia misteriosa. Sinto que os barulhos noturnos, os sons inaudíveis, combinam-se numa melodia sem compasso orquestrada suavemente para me ferir os ouvidos. Dissipados entre a fumaça dos cigarros; os grilos, os pingos e o vento frio perfuram a solidez dos tijolos, dos tímpanos e da minha pele. Quase dói, dá pra ouvir a dor se eu tapar os ouvidos.
Ah... Mas é tão bom olhar pela janela e enxergar em silhuetas gigantes e assustadoras uns três ou quatro bons amigos velando minha insônia. Eu lhes digo acalentando-os: “Não tenham medo, temos uns aos outros. Enquanto nos tivermos, o medo será pequeninho, o filho da puta precisa dividir-se pra dar conta de tanta gente.” Aí eu sorrio e trago. Enegrecendo meus pulmões e queimando minha face, eu justifico essa noite.
Eu vejo um pássaro vermelho voando com as asas sangrando. Bom, eu não vejo porra nenhuma, mas sei que é este o desenho na parede. Ele me olha de volta e me convida pra voar ao seu lado.

Tenho dó do passarinho, mas ele sente muito mais pena de mim. Ave escrota.
Há quem diga que a solidão é uma doença. Mas eu não posso estar doente, sou minha própria cura.
Levanto. Caio. Levanto. Tateio. On. Next. Next. Next. Volume. Danço.

*Caótico tal qual o mote que inventa
Tragado por delírios voluntários
Ele dança e canta, doce palhaço trôpego
Chora por muito rir, percebeu-se desesperado
Ovacionado e envaidecido por aplausos imaginados

Ritmado, pois, segue bailando ao passo da sombra
Mantém os olhos abertos mirando algo circunscrito
Nas faces que lhe ignoram
Pobres doentes sem remédio
Ele sente muito medo por não ser mais um enfermo

Mas ele cambaleia com seu sorriso tolo
Sua existência agora diluída
Em meio às ilusões instantâneas
Já nem sente os pés feridos, apenas o gosto de bílis
Enquanto ele roda, grita, gesticula, sonha, sangra e é feliz

Eles o apontam e dizem nos ouvidos:
“Os olhos do cavalheiro estão perdidos”
Porém ele não escuta mais ninguém
Além do próprio choro bobo
E das vozes em sua cabeça ecoando:
Tu és feliz, muito feliz

Tu és feliz, muito feliz
Muito feliz.


*canção sem métrica nem acordes de um pobre cantor sem banda.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Feliz Dia Novo.

Ok. Eu te explico, meu amabilíssimo blog.

As coisas não são nem tão simples, nem tão óbvias, tão pouco tão claras como nós fingimos que são. Eu olho pra cá e pra aí e vejo um espaço assustador feito de sei-lá-quê. Eu sei que tu dependes de mim, afinal, quem te faz funcionar sou eu (apesar de eu não saber ao certo para quê). Correr aqui, sem direção, apenas pra sentir a sensação de liberdade e ausência de sentido instantâneo, despreocupado com a minha sandice e com o quê eu possa parecer carregando-a com tanto orgulho (paciente fugido do hospício, talvez) é muito bom, mesmo. Mas, olha, diferente de ti, eu não sou um caminho que leva pra algum lugar. Por mais inóspito que seja o caminho, o lugar não depende da gente.

Eu não necessito, não preciso me contorcer em mil palavras pra perder ou ganhar uma lógica, por mais escrota que seja ela ou bela a sua ausência (o contrário, que seja, isso fala disso). Sabe, eu sou coerente pra mim, e isso me basta. Sou cru, fato.

Tu, tu és um mosaico multicolorido em tons de cinza. Tu és o meu tempo, cara...

Tu és o meu tempo e eu nem tinha percebido. Acredita? Claro que tu acreditas, eu não minto pra ti. É engraçado, por isso, escrevo. Tudo do que eu já fui, sou e, provavelmente, serei. Eu gravado em linhas brancas, sem margem, contra o fundo cinza escuro. Estás vestido de mim, meu camarada.

O lapso. O tempo. Tu. Escrever. Eu. Escrever... Vou te confessar: preguiça. É, rapaz: comodismo. Pode? O mais puro desleixo, bizarramente, justificado pela minha total inabilidade de priorizar o certo. É. Sou burro. De que adianta nosso autoconhecimento gigantesco se não consigo nos fazer bem? Não havia pensado nisso. Por isso, escrevo.

Tão solitário que é isso, meu amigo. Tão solitários que somos.

Que emane, e que façam incêndios com fagulhas que eu nem vejo, enquanto isso, queimamos sós. Porque eu tenho obrigação contigo, sou obrigado a ser nós.

Gosto do que somos, se não me exigisse tanto e não me privasse de tão mais... É, rapaz, olha, a gente se criou e não sabemos lidar um com outro. Ah, que foda, eu sou o viadinho do médico, o monstro és tu, cara... Que merda é essa? Eu estou perdido, mais perdido do que cego em cinema mudo. Por isso escrevo.

Sente, sente. Aliviar minha saudade e me sentir fluindo outra vez... Sou rio bravo sem rumo. Se não fosse por ti no início, as margens, eu já tinha me desfeito e evaporado. Olha, vê como eu estou sereno agora? Calmo, quieto. Eu até digo sem dizer e finjo me entender, porque eu aprendi a lidar conosco.

Isso tudo virou uma bosta tão grande, meu amigo. Eu me sinto tão feliz com isso tudo. Por isso escrevo.

Tenho música nos ouvidos, lágrimas nos olhos, dedos agindo por reflexo, peito latejando e um sorriso.

Obrigado, Eu. Por mim, a mim. A vocês.



'agradecido.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Capítulo 1 - Parte 2 - Izabel

Numa cidade quente e úmida, como a minha cidade quente e úmida, andar a pé debaixo do sol escaldante de uma da tarde não é o programa mais divertido do mundo. Mas quando se vive (ou tenta viver) apenas com dois salários mínimos brasileiros (e, eventualmente, uns trocados) é expressamente recomendável que se economize. Caso contrário, é inviável comprar outras coisas além daquelas que suprem as necessidades básicas de todo ser humano. Um dinheiro a mais em troca de algo sem preço: isso inclui seis reais diários das passagens de ônibus em troca de duzentos mililitros do meu suor. Aliás, na minha cidade, andar de ônibus no calor infernal de uma hora da tarde também não é o programa mais divertido do mundo. De qualquer forma, acho um absurdo pagar um real e cinqüenta centavos para ganhar o direito de passar quatro minutos dentro de um latão com rodas. Ninguém deveria dar um real e cinqüenta centavos para se locomover num latão com rodas: as pessoas já gastam demais tentando viver, como eu.

Enfim, minha rotina de maratonista já tem uns meses, deveria estar acostumado. Andar seis paradas (uns dois kilômetros, mais ou menos) quatro vezes todos os dias. São cento e quarenta e quatro paradas por semana, quinhentos e setenta e seis paradas por mês, foram sete meses: isso dá umas quatro mil e trinta e duas paradas, uns mil trezentos e quarenta e quatro kilômetros já percorridos por este ilustre beduíno urbano que vos fala. Eu, realmente, deveria estar acostumado.

A rabugice, dessa vez, é justificável: hoje as condições climáticas parecem elevadas à enésima potência. O sol, bem acima de mim, arde lançando seus raios que transpassam meus cabelos claros e não rebatem de volta, radiação aprisionada assando minha cabeça-estufa. A umidade altíssima, anúncio da chuva pontual de logo mais, faz a sensação térmica entrar na casa dos quarenta graus (isso numa boa sombra). O ar revolveu parar de circular completamente: nenhuma em entre as milhares de folhas em nenhum dos milhares de galhos dá qualquer sinal de movimento. Eu tenho a leve impressão de que fileira infindável de mangueiras também está transpirando, todas ávidas pelo alívio que trará a tempestade de inverno (ou melhor: verão com chuva), ainda presa nas nuvens cinza do horizonte além dos edifícios enormes espalhados ao longo das ruas centrais. A quentura do ambiente permanece imóvel formando uma barreira, de espessura gigante e invisível, que espera sádica ser penetrada no meu próximo passo.

Merda. Estou tonto e encharcado de suor. Se não beber algo eu desmaio antes de passar a quinta parada, isso se eu conseguir chegar do outro lado da praça. Desmaiar não é uma boa idéia: iria ser constrangedor fritar no concreto até que alguém de bom coração venha me socorrer, muito provavelmente, por pura piedade.

Coca-cola deveria ser mais barata. Meu estômago já paga um preço bem alto sendo corroído. Ao menos quando eu desenvolver uma bela gastrite farei valer a pena o absurdo que pago num plano de saúde, quase inutilizado. É o preço que se paga para continuar existindo com um pouco menos de paranóia, já que os serviços gratuitos oferecidos pela saúde pública, como todos sabemos, não são lá dos mais confiáveis.

Felizmente, as praças daqui estão abarrotadas de oásis em forma de barraquinhas de ferro. Vendedores que espertamente se aproveitam do clima equatorial para oferecer conforto aos passantes sedentos por cocos gelados, refrigerantes, sucos industrializados, picolés, sacolés ou mesma a santa água mineral um pouco desprezada por mim pela falta de sabor, talvez. Por não usar meu paladar, e, apesar da sensação de frescor, ignorar meus sentidos.

- Ih, moça, melhor a senhora não beber mais não, hein...

Disse o senhor baixinho coçando o boné.

Perfiladas ao lado do banquinho de plástico, cinco latas de cerveja. Havia esquecido as, sempre muito rentáveis, cervejas. Aliás, eu, com certeza, nem iria reparar não fosse a consumidora.

Vejo o perfil. Ela senta-se desleixada, meio encolhida, ignorando a postura. Blaser cinza combinando com a saia que desce até os joelhos e deixa à mostra panturrilhas que, de tão brancas, rebatem luz. A franja negra e lisa, meio infantil, cai por cima da testa melada de suor escondendo as sobrancelhas. A bochecha, muito rosada, justifica a preocupação do comerciante. O nariz, fino e empinado, aponta para o rótulo da latinha fulminado pelos olhos negros e perdidos. A mão mais branca e delicada que já vi leva cerveja à boca de lábios finos e grandes, ela esboça um sorriso incompreensível. Tem um lindo corpo e está bêbada.

- Tô bem, tô bem.

Estou tonto, muito tonto.

- Uma coca-cola, amigo, por favor.

- Olha, moça, a senhora não vai nem se agüentar de pés quando se levantar. Tô lhe avisando.

- Amigo, uma coca-cola em lata, por favor.

- Essa moça tá mal, viu.

- Eu também tô mal, amigo. Pode me dar a coca-cola, por favor? Quanto é?

Olho para baixo atraído pelo som doce de um sorriso azedo. Ela sorri o maior e mais lindo sorriso do mundo. Tem a coragem e o atrevimento dos alcoolizados e me encara descaradamente tentando fitar meus olhos desconcertados. Estou tonto, muito tonto.

- Atende o rapaz, senhor.

- Não... Tá tudo bem.

- Acabaste de dizer que estás mal.

Porcaria de sorriso. Maldito pescoço. Bosta de lábios. Porra de queixo. Merda de olhos.

- Só tô um pouco tonto. O calor tá demais.

- Sério? Eu também tô um pouco tonta. O calor tá demais hoje... É verdade.

Dessa vez até o vendedor, que se divertia com a minha falta de jeito, rio alto com o cinismo trágico. Desistiu de tentar convencê-la a parar de beber e afastou-se um pouco. Não me deu a bendita coca-cola, porém, quem sabe, o gesto tenha sido de boa vontade: para me deixar mais confortável com moça de porre.

- Terça-feira, uma e meia da tarde. O que faz uma mulher bem vestida tomar um porre com cerveja num camelô?

- Ah, eu sou alcoólatra mesmo, sabe como é.

Preciso ainda de um tempo (não sei quanto) para me acostumar à beleza dela. Não é tarefa fácil olhá-la e pensar ao mesmo tempo.

- Não deveria procurar ajuda? Alcoolismo é doença.

- Quem te falou que eu quero ajuda?

- Aí tu morres.

- Agora me conta uma nova.

- Meu nome é Eduardo.

- Izabel, Eduardo. Prazer.

- Tu és pior que o calor, Izabel.

- Ih, rapaz. Pelo jeito tu estás mais bêbado que eu.

Nos enlaces involuntários em que Izabel, sem querer, me joga, eu perco a razão e o meu fluxo de idéias cessa e se transforma numa poça indefinível de pensamentos: eles agora me parecem remotos demais para serem meus. O calor se desfaz durante o intervalo em que meus olhos encontram as íris faiscantes rodeadas de vermelho. A tonteira e o cansaço são agora pano de fundo para os delírios instantâneos, projetados em mim pelo espaço de silêncio difuso deixado pelas palavras de Izabel. Já não sei mais se é presença ou uma simples alucinação.

Eu me transporto para a cevada e faço parte das gotas que te molham os lábios e lavam tua boca amarga. Sou o vazio sem graça do teu olhar inútil. Sou o teu impulso involuntário e constrangedor. Sou tua confusão consciente e enaltecida. Sou teu cheiro podre de cerveja. Sou teu ponto de desequilíbrio. Sou teu desprezo áspero. Sou teu desespero secreto. Sou tua parte escondida. Sou tua fuga da realidade... Tu és a embriaguez que eu havia perdido. Só fui dar conta da falta quando te encontrei.







*Deixa eu agradecer primeiro.
Muito, muito obrigado mesmo a quem comentou os dois pedaços anteriores. A opinião a respeito disso é muito importante. Eu tô tentando fazer algo que não é muito habitual pra mim. Escrever assim não é tão simples. Críticas (aliás, preciso de mais delas [sim, tá certo]) e elogios são indispensáveis agora. Eu preciso mesmo: pra continuar seguro.

Agora esclareço:
É óbvio e visível que não sou nenhum escritor profissional. Não escrevo por obrigação nem sob pressão. Escrevo quando quero e preciso. Não planejei nada, não consigo planejar o que escrever, mesmo tratando de um romance. De todo jeito, esse "livro", talvez, será (se um dia for) mais "experimental" do que eu havia pensado.
Não esperem eu postar regularmente essa história. Eu faria disso um trabalho, seria uma porcaria.
Não sou só o Eduardo, e mesmo ele tem vidas paralelas.
Até.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Capítulo 1 - Parte 1 - Izabel

Claro, claro. Sei das conseqüências horríveis que um porre me traz no dia seguinte: dor de cabeça fraca e aguda, indisposição angustiante, perda do raciocínio rápido, confusão, gosto de bílis, uma fraqueza latejando e amortecendo cada um dos meus músculos e o pior: amnésia. Felizmente, não sinto nada estranho na retaguarda.

Eu, geralmente, sei dos efeitos errados do que eu faço ou deixo de fazer. E se eu não sei, eu simplesmente finjo saber. Não ter domínio sobre o que acontece comigo, não gosto dessa idéia. Para mim, não ter o controle sobre a própria vida é fraqueza, covardia ou burrice (com ressalva aos casos especiais, por favor). Já fui fraco, covarde e burro, por isso afirmo com tanta segurança.

Quando a gente faz muitas vezes o mesmo, vemos as hipóteses se transformarem em causas lógicas. Acredito em exceções sim, mas não quando tratamos de pessoas. Pessoas não são regras: pessoas, por si, são conjecturas, e as conjecturas reúnem todas as exceções.

- Ainda estás bêbado.

Eu ainda estou bêbado. A glicose da coca-cola me trouxe de volta, o álcool se diluiu na amônia e escapou sujando o vaso sanitário, eu ainda estou porre. Vendo a luz entrar pela fresta da veneziana e fazer uma linha fina na parede manchada de vômito. Sentindo trinta pregos, eles foram espalhados estrategicamente por debaixo do colchão para me torturar da melhor maneira possível. O estômago, ferido, reclamando do seu vazio. Ah, se o estômago soubesse do resto, iria se sentir um escroto por reclamar. Tenho sabor de merda que sai da minha boca e se espalha pelo corpo.

- Ontem foi bom.

Ontem. Então foi ontem. Se fosse há três minutos faria mais sentido: continua na minha língua o sabor de suco gástrico, e não é o meu suco gástrico. Ela está abominável e minhas diversões estão cada vez mais sórdidas:

Observo em silêncio os cabelos negros desgrenhados: algum cabeleireiro, desses bem gays, diria que é um penteado pós-moderno muito bem feito, tamanha a beleza da desconstrução. Uns fios estão colados na pele alva: molhados, talvez, por uísque, conhaque, gim, cerveja, vinho, minha baba, meu suor e sabe o mais o quê tenha saído de mim. Os olhos estão fundos e abrigam íris que cintilam invadidas por uma felicidade curiosa, as olheiras dão um toque de criança mal tratada completado pelas as orbitas que me miram de um jeito quase inocente (como se pudessemos ser culpados por um crime que nunca foi cometido). A bochecha direita, única visível e ainda levemente rosada, desvia a visão para o fio de baba escorrendo dos lábios grandes e finos. O corpo estirado no chão realça as curvas: os seios cuspidos para fora do sutiã comprimidos com o chão, as costas brancas indicando o caminho para as nádegas empinadas brilhando na pouca luminosidade do quarto e conduzindo a vista para as pernas torneadas. Tem vômito também nas pernas torneadas. Ela tem a cabeça virada para mim e o sorriso deformado pela pressão do lado esquerdo do rosto contra a imundice do piso. Sorriso vazio que não quer expressar nada: tão natural quanto o torpor de um êxtase que existe só para ser sentido e permitir que apenas, de forma única e fatal, sintamos.

-Sabe, as pessoas vêem beleza na tristeza. Mas a tristeza é muito dramatizada, fica artificial. Tua decadência e podridão têm um realismo tão grande... Tu és linda.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Prólogo - O Porre.

Prólogo.


Cores brilhando num doce delicado ( quase imperceptível pelas minhas pupilas dilatadas), sons suaves (evidentemente inaudíveis não fosse o resto), cheiro de vermelho (vermelho escuro, mangenta), o gosto de jasmim ardendo em minhas papilas gustativas e a visão embaçada graças ao... Bom, eram etílicos, e o último tinha sabor cru, algo de merda.


Não, isso não é, nem será, pseudo-poesia: a sinestesia é a melhor forma de (tentar) demonstrar o enlace e a desorganização da realidade, com os sentidos ferrados e misturados uns com os outros, parece tudo mais desencaixado do que já é... Sim, tudo apenas parece mais.


Gosto e sabor não são o mesmo: é bom esclarecer isso antes de entrar em pormenores mais aprofundados o que, muito provavelmente, me renderá dezenas de julgamentos equivocados que não farão justiça à minha complacente pessoa (se é que mais vinte pessoas lerão isso, claro). Não, não é culpa de ninguém: somos todos nutridos por um falso moralismo hipócrita, além é lógico, da mágica mediocridade que trancafia nossas amáveis mentes num mundinho escroto sustentado por conceitos, convenções e regras inventadas antes de nós para impedir que nós inventemos.
Sabe, tenha várias teorias, mas todas sem nenhuma base científica e quase nenhuma comprovação prática. Eu crio porque criar teorias é um jeito legal de pensar, além de servirem pra justificar, do meu modo, as porcarias que eu observo:
Teoria I - Se surgirem muitas invenções e inventores ao mesmo tempo, as coisas saem dos trilhos: o que mais há por aí são maquinistas vestidos com aquelas boinas ridículas que não sabem o que fazer, a não ser, guiar o trem (e arrastar um bom número de passageiros, todos, evidentemente, muito entediados) linearmente e imutavelmente até a última parada.
Para as pessoas mais esclarecidas (ou àquelas que, ao menos, sabem que não deveriam saber de porra nenhuma) se mesmo para essas eu parecer insensível e imoral, admito que me chamem de desumano (ou sádico, se preferem), mas, não aceito ser chamado de desonesto. Muitas coisas serão ditas, e é lógico que nem todas serão verdadeiras, porém, eu guardarei as mentiras e incertezas para vocês. Entre as relações humanas, a sinceridade exagerada e a honestidade a troco de nada são bem mais interessantes do que as farsas que, além de não me convencerem e terem prazo de validade, denunciam fraqueza e medo: tenho ambos, mas não vamos esquecer que eu estou porre.


Acontece que nós bebemos um pouco de um monte de destilados vagabundos (que, aliás, eu nem sabia que existiam) e agora eu estou num transe doido. Foram doses de quaisquer coisas (acho que algumas nem eram tão líquidas assim) que se misturaram na medida certa: ainda que eu não faça a mínima noção de onde está meu eixo de gravidade e mesmo com a vista um pouco embaçanda, ao invés de me tirarem a consciência, as substâncias desconhecidas ampliaram minha capacidade percepção a ponto de eu conseguir tatear e moldar o que eu tenho cultivado pela minha parca racionalidade (mentira. Tirando o teto sobre a minha cabeça, os trinta e quatro reais e sessenta centavos no bolso, o aluguel, as outras contas, o trabalho besta e a minha humilde capacidade de escrever, eu sou um porre igual àquele mendigo estirado na fachada do prédio, porém, mais bonitinho).
Ao menos nela o efeito foi bem menos meigo: gritou para o edifício inteiro ouvir e chorou feito criança mimada sua frustração devido à incapacidade de levar as relações com a amiga de trabalho a outro nível. Depois ela caiu languida no chão aveludado da sala e, antes de finalmente atingir os estados mais elevados do inconsciente, sujou com um vômito castanho claro o tapete de lã francês límpido que, com certeza, pagaria meio ano do meu aluguel.
Não a trago pra cama não por vingança, por pura revolta: eu não faço muito esforço pra compreender, embora a dificuldade absurda pra respeitar os dramas e tragédias emocionais de qualquer um (francamente, mais por distração e nostalgia que preocupação). Mas não tolero em hipótese alguma ser confundido e chamado de Carla, ainda que no meio duma embriaguez horrível e da confusão maluca de pés, braços e línguas (por mais amiga que a alcoólatra seja).
Agora começo a sentir algo parecido com pena, mas, infelizmente, sou um bêbado orgulhoso demais e sei que também ela não iria gostar de atitudes minhas movidas por um sentimento tão humilhante quanto à pena.


Bom, eu to visivelmente (e literalmente) alcoolizado, então, por favor, perdoem digressões sem muito sentido, a falta de conectivos entre as idéias ou a perda do rumo da narrativa (e isso não é justificativa pra minha falta de coesão e coerência textual: culpem o etanol, ele não pode se defender mesmo).

Preciso agora afundar o colchão Queen Mola Pocket Super Luxo Light Stress com o peso que nem sabia que eu tinha, me fundir ao cetim do lençol, derramar saliva misturada à emese no cobertor de seda lilás, e torcer para a Terra parar de rotacionar a esmo em todas as direções possíveis e improváveis.





haha. adoro escrever, cara.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Eduardo e Alice.

*Escrito em dueto com Camila Regis, num presente ausente.



Eduardo senta apoiando a cabeça na mão esquerda, sua aparência inteira entrega as noites em claro e a falta de horas para dormir durante o dia: desleixo, cara amassada, olhos fundos, barba por fazer, os cabelos despenteados propositalmente, a camisa social preta um tanto amarrotada e o olhar blasé fixo num ponto uns metros além do casal da próxima mesa. Mexe o gelo do copo com a ponta do indicador direito e repara numa loira sentada três mesas à frente. Ela gargalha espalhafatosa e fala alto com a amiga sentada ao lado, algo relacionado a futebol: usa uma saia branca exibindo os joelhos rosados e uma blusa cor-de-rosa que salienta o volume dos seios, vez ou outra olha para Eduardo e sorri, sem mostrar os dentes, insinuando-se descaradamente com jeito de puta oferecendo serviço.
Quando Eduardo leva o copo à boca, percebe que a coca-cola já é mais água que refrigerante, então ele sorri e avalia o custo benefício: leva em consideração a vestimenta demasiadamente provocante, a postura efusiva, a atitude explícita que pouco lhe instigou, e o tema abordado na conversa para pré-julgar a moça e concluir que uma conversa com ela não deve valer o prazer de um copo de coca-cola com gelo, se isso, é claro, não lhe render mais que alguns beijos no início da madrugada. Tira o celular do bolso, 20:40. “Atrasada, como sempre”.

Alice tem a boca um pouco mais rosada que o normal, algo que poderia indicar um longo beijo dado previamente, mas não era isso: só o que constava ali era o hábito de fumar iniciado numa pré-adolescência rebelde, há algum tempo atrás. Andando em passos largos, meio de galope, sente vontade de satisfazer o vício naquele instante, porém, só tem dois braços, ambos ocupados: um com uma pasta gigante de papéis a serem lidos, o outro com o guarda chuva que a protege da garoa irritante pinicando o peito dos pés. Calça sapatos de gente importante, quase pretensioso demais, até mesmo para ela: bicos redondos e um salto alto que valoriza a postura.
Parada em frente à faixa de pedestre, paralela a um semáforo que indica a passagem favorável dos carros, ela sente um arrepio quando o vento sul sopra em suas pernas desnudas. Frio, está frio. Com a visão periférica percebe que está sendo observada: ao seu lado um homem, desses clichês, infla o peito tentando chamar atenção. Dos fones o som sai muito mais alto que o aceitável para manter a saúde auditiva de qualquer um, percebe-se, pelas batidas irritantes, que a música que entope os ouvidos dele é algum pagode: usa regata num tempo inapropriado, boné, um colar de coco e está suado. Provavelmente, tinha acabado de sair da academia, é esteticamente agradável, atraente. Dá um sorriso cafajeste à Alice, esperando resposta: ela pensa realmente em retribuir, contudo, ele usa regata e, para ela, ninguém que usa regata é confiável, além do mais, escuta pagode, é exibicionista, deve ter um ego enorme e um pinto pequeno: não compensa, ignora-o.
O semáforo, finalmente, se fecha e Alice pode atravessar até seu destino do outro lado, um bar. Abre a porta, um ar azulado, não o avista. Entretanto, uma loira de saia branca gesticulando para todos os lados chama sua atenção: para Alice, somente atrizes de filme pornô e enfermeiras usam saias brancas. “Piranha, com certeza”.


Eduardo vê Alice na entrada, mas não faz sinal algum para atentá-la: ele ri divertindo-se com a apreensão dela passando os olhos por todas as mesas, menos a dele, enquanto sua expressão vai transformando-se revelando algo parecido com ira profunda. Há dias eles não se vêem, atarefados demais com coisas desimportantes, e Eduardo aproveita o momento para admirá-la com calma antes que Alice comece a vomitar palavras em cima dele, o que, possivelmente, lhe renderá boas gargalhadas e, talvez, um futuro melhor do que aquele com a loira de saia branca.
Cabelos castanhos levemente ondulados caindo por cima do lenço azul que protege o pescoço, traços delicados, olhos escuros impacientes, boca carnuda, camisa de lã branca escondendo os braços pálidos e o sorriso de Eduardo ao ver expostos os joelhos de Alice, sempre um pouco inclinados para dentro. Eles já descobriram e redescobriram um o corpo do outros muitas vezes, contudo, Eduardo não cansa de olhar para ela, investigando cada centímetro seu. Para ele, ela tem uma beleza mais única e particular do que o encanto de qualquer outra mulher com quem já tenha estado. “Algo de lirismo pungente”: ele costumava dizer isso, num tom meio irônico, antes de finalmente dormirem, continuaria repetindo até convencê-la, não fossem tantos os “cala bocas” acompanhados de tapas ardidos.
Alice, enfim, enxerga Eduardo, rindo, sentado quatro mesas atrás daquela ocupada pelas duas amigas estridentes e, ao perceber que ele já tinha notado sua presença, balança a cabeça indicando negação e solta seu ar de reprovação enquanto caminha mordendo os lábios em direção a ele.



- Bem?

- Aham. E tu?

- Não... Mais ou menos.

- Por quê?

- Não sei. Só acordei triste. Deve ter alguma coisa a ver com a taxa de estrogênio no sangue, só pode.

- Come chocolate, quem sabe resolva.

- Não vendem chocolates em tonéis aqui perto. E eu, realmente, prefiro morangos... Aliás, nem sei como isso é classificado como fruta.

- Morangos dão em árvores, é por isso que são classificados como frutas. E eu não entendo nada de estrogênio: não tenho taxa disso no sangue... Não me chamaste aqui pra falar disso... Queres ser compreendida, o que aconteceu?

- Merda, uma merda aconteceu. Terminei com ele... Ao menos posso respirar e fumar em paz agora.

- Outro? Já é o terceiro nos últimos meses. Por que insistes em nomear teus relacionamentos?

- Dá um caráter mais humano pra coisa por mais animalesco que seja... Ai, de todos foi o pior, sem dúvida: implicava até com a minha insônia.

- Sim, realmente são da natureza humana o egoísmo e o sentimento de posse sobre tudo. E me poupa: tu és arrogante demais pra ter um cara metido na tua vida desse jeito.

- Humildade também não é o teu forte. Enfim, de certa maneira parecia necessário, não ele: ter uma relação. E não me venha com lição de moral, já sei que não tinha necessidade nenhuma.

- Deverias ser menos contraditória, terias menos problemas. Ah! E parar de fumar, deverias parar de fumar também.

- A colisão das minhas contradições pode ser catastrófica, ou pode dar ótimos resultados, prefiro correr o risco. E pra quê parar de fumar? Vou morrer de qualquer maneira, que seja de uma doença legal pelo menos: Nietzsche e Freud morreram de câncer, quero estar nesse grupo seleto.

- A colisão das tuas contradições, ultimamente, só tem feito tu me procurar pra chorar dramas de feridas que tu já cicatrizaste faz tempo: tua época de princesinha presa num castelo de cartas já foi, sabes disso. E Nietzsche e Freud morreram antes de descobrirem que fumar causa impotência sexual: eram mais inteligentes que tu, eles parariam de fumar, com certeza.

- Sou masoquista, as cicatrizes doem ainda mais agora. Sou estúpida, sem vocação para princesa. E foi uma colocação capciosa, Nietzsche morreu de câncer no cérebro, nada a ver com cigarros.

- Sabe, acho que tu és narcisista demais pra seres masoquista. Quando te sentires carente e precisares ouvir algo bonitinho só é ligar pra mim... Não precisa ficar criando compromissos com caras que ficam se projetando em ti e tirando tua liberdade. E o Nietzsche morreu de câncer no cérebro por ironia do destino: cientistas afirmam que foi castigo divino, por ter pensado demais. Já tu, tem pensado de menos.

- Não quero que percas teu tempo comigo e não preciso ouvir algo bonitinho de ti: teu silêncio se insinua, já é o bastante... Queria que fosse assim com eles, mas, o peso que fazem sobre minha vontade de ir e vir é grande demais: não consigo esperar o tempo até que a mudez se faça entender.

- Rá, pára de te fazer de vítima, não combina contigo. Tu sabes muito bem que estando contigo meu tempo é aproveitado das melhores maneiras possíveis. Também sabes que, não importa por quanto tempo durar, ninguém vai conseguir te compreender como eu... Nossos silêncios são os mesmos, esqueceu?

- Sabes que quando fico sensível viro atriz de novela mexicana, deixa eu fazer o meu drama. E é verdade mesmo: tu és quem melhor preenche o vazio, sem que fique pesado o bastante a ponto de eu não poder me mexer... Também sei que tenho o mesmo efeito sobre ti: é bem diferente do efeito que causa aquela loira piranha que não pára de olhar pra cá, por exemplo.

- Na verdade eu tava pensando em falar com ela, não parece ser do tipo que espera do lado do telefone o cara ligar no outro dia, quem sabe não arranjo alguma diversão? E tu precisas parar de tentar deduzir tanto sobre as pessoas assim: quem falou que ela é piranha? A moça só tem excesso de simpatia.

- Vai então, ela é bonita mesmo... Mas vais te arrepender: ela tem cara de gente que fica batendo papo depois do sexo, uma puta ficaria quieta pelo menos... Eu dormia depois: é mais fácil quando o silêncio falar por nós.

- Vou não, vai que ela vem falar de futebol que nem tava fazendo com a amiga dela? Eu sufoco com o travesseiro... E é impressão minha ou tu estás com ciúmes?

- Morrendo, vou ali à cozinha... Qual demora mais: o gás do fogão ou a faca de serrinha, pra me matar?

- Tenta os palitos de dente, é uma boa idéia.

- O bom é que ele incentiva... Isso sim que é ego: só pra teres uma morte em tua homenagem.

- Já falei que não podes morrer ainda.

- Por?

- Porque eu não estou com vontade.

- Amo tua capacidade de argumentação.

- ‘Brigado, sou um moço muito prendado.

- E eu uma moça suicida.

- Eu poderia aproveitar que estás emocionalmente fragilizada e, conseqüentemente, com a capacidade intelectual/racional bem afetada pra te dizer algo doce, te beijar e te levar pra ver os móveis do meu novo apartamento pela... Décima terceira vez?

- Adoro a tua sutileza, e sabes que eu vou sim, apesar de saber a cor do ralo do banheiro... As coisas boas são incomensuráveis, parei de contar depois da primeira vez, Sr. oportunista.

- Aproveitar essa oportunidade é a coisa mais complicada do mundo, não é?

- Tudo bem, isso não faz de ti menos nobre.

- Onde tu enfiaste teu orgulho, garota?

- Engoli seco.

- Saudades de ti... Apesar de ter me acostumado com a tua ausência nesses dias, tinha uma saudade meio... Não sei qual a palavra... Estranha, sei lá.

- Saudade? Que estranho.

- Por quê?

- Não sei se teria motivo.

- Acostumado contigo.

- Mesmo?

- Sabes que sim, não te faz de besta.

- Como que eu vou saber, senhor? Não sou filha de Iemanjá, mãe de santo, nada disso.

- Talvez filha adotiva do cinismo.

- Pelo menos papai é divertido... Mamãe é a burrice.

- Então tu não puxaste pra tua mãe.

- Nada garante.

- Ninguém tem garantia de nada mesmo.

- Apesar de burrice ser questão de parâmetro...

- Chega de divagações inúteis, Alice.

- Ao menos foi divertido.

- Comparado as coisas divertidas que já fizeste, aquilo foi inútil.

- O conceito de utilidade é supervalorizado.

- Queres discutir sobre o conceito de utilidade?

- Não. Eu quero um cigarro, logo.

- Só porque sabes que ficas muito sexy fumando e estás tentando me seduzir.

- Cigarros são um pretexto, sabes que não preciso deles pra te seduzir.

- Na verdade, às vezes, eu queria que tu fosses um pretexto pra mim: como aquela loira. Mas as coisas não funcionam assim contigo...

- O mesmo vale pra ti... Talvez porque na certeza de nossa inconstância é que a gente veja uma segurança: de esperar o inesperado, de se abraçar no indefinido. Somos amantes do que é vago.

- Quer conhecer minha estante de livros?

- Já li todos os livros dela, mas não me importo em reler.

Eduardo e Alice saem e acabam se esquecendo dos livros repetidos: passam o resto da noite e do dia seguinte enclausurados um no outro antes de um novo “até logo”.

sábado, 22 de novembro de 2008

Para Não Repetir Pela Primeira Vez.

Escreveu:

“Bom, eu estou te devendo um monte de respostas, eu quero te dizer exatamente a verdade, sem exageros ou cautelas, por isso eu vou ponderar bem cada palavra, pra tentar te fazer entender bem as coisas (só tentar). Por mais que eu não acredite (e agora mais do que nunca) na definição, o que eu falar aqui será decisivo e carregado de certezas, acho que estás precisando muito disso: pra ficar em paz, mesmo que precise passar por uma tempestade primeiro. Eu te juro, com o coração dolorido, que essa era a última coisa que eu queria, mas acho que vai doer. Não pensa que pra mim foi ou está sendo fácil admitir e aceitar minhas conclusões.
A gente se desentendeu naquele dia por culpa inteiramente minha: eu assumo a minha idiotice, estupidez e imaturidade e, por mais que já saibas de tudo isso, é importante eu reconhecer que me contradisse completamente e agi feito ator de novela vagabunda, fui embora puto porque a verdade às vezes dói e é difícil aceitá-la quando isso acontece. Eu estava muito, muito confuso, não esperava que tu pedisses uma posição minha naquela hora (apesar de eu compreender perfeitamente tua necessidade), sei que disseste que era pra eu pensar melhor: das vezes que te levantaste pra ir embora tu estavas me concedendo esse tempo (e era mesmo pra tu ter ido, eu não deveria ter impedido desde a primeira vez), mas naquele momento a única coisa que eu queria era estar contigo: ignorando o futuro ou passado, eu só queria estar ali. É mágico e encantador quando estou do teu lado e, na minha cabeça infantil e dramática, se eu te deixasse ir embora eu nunca mais iria te ver outra vez.
Fiquei criando desculpas inúteis e me contradizendo com frases sem sentido porque, por mais que as tuas perguntas fossem claras e diretas, eu não queria te dar as verdades ignoradas que vou te falar agora (pra evitar a perda) e tão pouco mentir pra ti. Eu acho desumano e imoral não ser absolutamente sincero e verdadeiro com quem se gosta: mesmo que isso evite problemas momentâneos, futuramente as verdades iriam aparecer, e um relacionamento pra durar (seja de qual tipo for) não pode ser menos que completo e inteiro: pra isso é necessário que ambos se doem verdadeiramente e não escondam coisa alguma (nada, completamente nada) um do outro. Então eu quero te pedir perdão: por mais que eu não tenha feito diretamente, e não tenha pronunciado as frases, eu, de certa forma, não fui verdadeiro contigo e menti com meu silêncio e minha falsa convicção. Felizmente eu não sou um bom mentiroso e me sinto melhor assim, já sabes disso.
Os dias depois da nossa discussão foram um misto de tristeza e revelação. Eu pensei muito, muito: pensei e constatei o que só poderia fazer sozinho, com a calma e a solidão, sem o peso do tempo e do agora fazendo pressão sobre a minha racionalidade. A palavra certa é aceitação: eu sempre soube o que quis, mas isso vai de encontra ao que eu gostaria de querer e, por um falso humanismo e empatia por uns ideais ultrapassados que já superei, eu escolhi ignorar. Sei que é difícil de compreender, mas se pudéssemos escolher o que querer, nós poderíamos ser felizes por mais tempo e com mais facilidade (ou sem tantas dificuldades, tanto faz). Não, não estou falando que gostaria de te querer, porque isso eu quero: o que eu queria era ter segurança e constância sobre o que eu sinto, como tu tens. Mas eu sou uma bomba ativada por um monte de mecanismos que explode pra todos os lados.
Eu simplesmente não funciono assim: não me sinto atraído e satisfeito com a estabilidade de algo extasiado e único que não me supre. Tudo é tão mais e há tanto espalhado por aí que eu não consigo abdicar disso em nome de um compromisso que me limitaria ao que não é capaz de me satisfazer, e não me tira a necessidade de sentir o resto. E não é culpa tua nem minha: é da minha natureza essa instabilidade, eu não posso te dar a segurança que eu não tenho.
Vou te dizer o que eu quero: quero liberdade pra sentir intensamente e ter o que eu quiser, quando eu quiser até o tempo que eu quiser. Sim, bem egocêntrico.
Acho que nem quando eu amar, quando eu descobrir o que é isso e aprender a identificar e nomear sem cometer erros tão bizarros e vulgares de novo, eu mudarei esse jeito vago de sentir. Matinha sobre o amor (idéia de amor, não Amor inominável) uma visão utópica e ilusória de encarnação do eterno, inabalável e perene, maior que todos os desejos, sentimentos e sensações combinados. Mas depois de sofrer com resquícios do que seria isso, o desgosto me trouxe a frieza, a lógica e, principalmente, o autoconhecimento pra entender sem dramatizações dispensáveis e burras: tudo que começa, mais dia menos dia, acaba ou muda sob ação do tempo transformando e modificando o que nos cerca e o que nos faz, e o amor não é sagrado: pelo contrário, apesar de surreal, é demasiadamente humano.
Amor precisa vir acompanhado de uma compreensão que eu não tenho contigo: algo tão grande que me permitiria uma liberdade imensa a ponto de eu parar de sentir necessidade e sobrar apenas a vontade. Sabe que me sobra necessidade.
Não quero ter limitações ou empecilhos que me separem das minhas vontades, já deixei de ser medíocre faz um tempo, e não me permito, nem consigo, me contentar com menos do que eu ambiciono. Amor é relativo como tudo que existe, e acho que nós dois temos concepções diferentes: se nascesse, tu não entenderias a minha possível necessidade de mais, de além, não entenderia que, talvez, não me bastasse. Começo a achar que tenho capacidade de amar de três ou quatros jeitos diferentes, quantas me forem apaixonantes. Diferencie amor de paixão se quiser, eu também quero ser livre pra misturar e viver tudo ao mesmo tempo.
Quero continuar contigo sim, mas pra mim não é o suficiente, e, se um dia for eu não sei até quando será. Cumpriria a promessa que fiz de parar de te exigir ou cobrar: essa era uma atitude ridícula e mesquinha que tirava a tua liberdade e espontaneidade, eu não posso tirar de ti o que eu quero pra mim. Mas não sou capaz de ser tão egoísta, imoral, desonesto e incompreensivo a ponto de pedir pra que continues a andar sobre uma corda bamba sem rede alguma embaixo sabendo que vais cair a qualquer hora, eu te respeito demais pra me sobrepor a ti. Nem eu faria isso no teu lugar: continuar com algo sabendo que há uma dor maior que essa anunciada não é coragem. A reciprocidade é elemento fundamental, e falo de reciprocidade em todos os sentidos: até na forma de encarar ou, ao menos, respeitar como o outro sente. Eu não te faria feliz, a segurança e fidelidade que buscas não encontrarias em mim, e eu não me sentiria bem com essa inutilidade.
Cada segundo, cada momento, cada beijo, cada palavra, cada riso, cada pensamento que me deste vai ficar gravado pra sempre (é: pra sempre) em mim, e nem se eu quisesse poderia te esquecer. Conheci uma alegria nova e incrível contigo, realizei uns sonhos antigos e ganhei outros novos: saí da realidade, encontrei uma paz desconhecida, descobri uma parte minha até então oculta, além de ter encontrado identificação, me impressionado com semelhanças, senti orgulho e admiração, transbordado e dado felicidade... Marcaste minha vida.
Disse que eras meu sonho, e és mesmo, só que eu não tenho um único sonho e não quero estragar mais nenhum teu. Perdão.”

E ambos padeceram, porém, foram mais felizes muitas outras vezes.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Pierrot.




*Baseado em fatos mais ou menos reais.



Sentado aqui, sem de fato saber se estou ou sou, enquanto formo desenhos surreais em nuvens cinza, bebo do sangue translúcido que escorre acariciando meu rosto e ardendo meus olhos até me beijar e trazer o gosto de passado desbotado, eu desço as pálpebras buscando consolo no último lugar que deveria olhar: dentro de mim.

Então o vento me traz o cheiro de molhado, de asfalto a 40º sendo morto, e abro os olhos para ver árvores desfolhadas com troncos num tom de ocre envelhecido e acabado, folhas amarelas voando lentamente em bandos sem qualquer rumo, a grama brilhando num verde incandescente contrastando com a luz esbranquiçada do sol que rasga ferindo meus desenhos e, sob cada poça de concreto, vidro ou qualquer outro dejeto humano liquefeito com a água, dançam embriagadas e contentes pessoas com roupas coloridas e faces pintadas de pierrot. Gargalho.

Vieram-me as teorias, e com elas a responsável, direta ou indiretamente, por quase todos os medos que sentimos: a incerteza. Sinto medo, enfim. Medo de ferir o mundo, de machucá-lo com meu egocentrismo que fatalmente irá implicar nele meu gosto, como se eu pudesse de fato alterar o sabor das coisas. As constatações são a pior a parte: não posso ser tão irresponsável e pobre de espírito a ponto de transferir a maior de minhas dores apenas para não senti-la. Gargalharei.

Sentado ali, com a cabeça dentro das mãos, via uma projeção do que eu mais queria, e sabia que não poderia ser menos que minha vontade: porque o meu querer é abastecido pelo que eu sinto, e a vontade de sentir é tamanha que me sobreponho ao que acredito. Pensava nas folhas tontas caindo e na grama se apagando melancólica quando me chegou alguém risonho ensaiando uns passos de bailarina bêbada. Alguém, que com os olhos colheu as lágrimas do céu preto e branco, me disse com uma voz viva e invadida por uma felicidade estranha: “as realidades que construímos e cada momento que vivemos se despedaçam inevitavelmente porque...”. E não terminou, e gargalhou. Chorei, chorei com lágrimas de ninguém.

Os meus desenhos se desmancharam num céu azul tão vazio e uniforme quanto as mentiras que ele protege.




"Ninguém vive a paixão impunemente."
Clara Averbuck.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Descobrindo.

Meus pensamentos se refazendo repetidos: repasso vinte vezes o que vivi dois minutos atrás. Tudo se funde e se confunde: eu sinto por dois minutos o tempo parar e paro com o tempo, e subitamente os sentidos perdem as funções e o peito lateja aquecido. Cessa a música, as vozes, a temperatura, as dores, as luzes, os medos e as hipóteses e me sobra à lembrança de uns sonhos antigos... É que nem sei mais se sonho ou se vivo.

Então não caibo no meu silêncio, e na minha inexistência e nem mesmo em minha incompreensão enorme e absoluta diante daquilo que é além de mim mesmo. Eu me concentro para me organizar, tentando calmamente juntar vontades às sílabas ao mesmo tempo em que minha cabeça bagunçada por contradições e quereres esquisitos se desprende devagarzinho: eu não controlo, eu não penso. Sorrio por não saber o que fazer comigo, por ver graça no meu desajeito: é engraçado o estranhamento de nós mesmos.

Desisto enfim, e me rendo à dúvida desconhecida e injustificável, quando eu tento, feito idiota, buscar uma certeza incógnita, pois nem sei do que é: perdida em algum canto dentro do tempo, longe demais de onde eu estou agora.

Admiro-a, inexpressivo, com os olhos estáticos sem querer de fato olhá-la, ouço-a com toda atenção que ainda me resta sem esperar ouvir uma palavra do que ela diz, e me invade a boca um turbilhão de versos e frases de efeito: cheias de exagero e algumas mentiras involuntárias que desisto de inventar por não ver mais utilidade nisso.

Aí eu a beijo, e de repente eu descubro que não sei mais fazer absolutamente nada que não for beijá-la.






Cordialmente, com meus pensamentos distorcidos, à S.

sábado, 8 de novembro de 2008

Sobre O Que Eu Não Sei.

A partir daqui tudo que eu disser ou gritar será uma tentativa frustrada de descrever, jorrar ou repassar o que não é cabível, tão pouco representável, num espaço limitado como este. Não tentem entender e também não levem as palavras tão a sério quando eu estiver falando de algo que nem eu sei ao certo o que é. O que sairá será resquício de um silêncio inexpressável e irreconhecível, e eu ainda não sei escrever com o silêncio. Talvez aprenda agora.

Sempre achei a idéia de nomear as coisas uma forma de limitá-las a quatro ou seis letras, é simplesmente inútil resumir tanto em formas tão pequenas e insensíveis. Eu procuro contornar essa restrição desconstruindo tudo e analisando enquanto moldo pedaço por pedaço como se cada um fosse mais importante que o produto final. Quem sabe isso justifique a intensidade com que escrevo: partículas super-carregadas amplificando mil vezes o que elas realmente formam.

Dessa vez eu desconheço sobre o que falarei. Não sei, não sei mesmo. Posso falar de uns quatro sentimentos diferentes, nove sensações mágicas e um milhão de pensamentos e divagações cheias de alegria e euforia, mas isso é minúsculo perto da tradução do conjunto misturado. De repente a necessidade de escrever me parece tão idiota justamente porque sei que é em vão. Eu, que aprendi a lidar com as palavras para olhar para dentro e entender o mundo fora, agora descobri a minha impotência diante desse mosaico novo...

Argh. É assim: Materialização mais que perfeita de cada linha que já escrevi. A realidade conseguiu ultrapassar os limites da ilusão e superá-la, e isso é mais que um milagre: paz, desejo, fuga da realidade, explosões internas, sonho lúcido, filme noir, surrealismo, expressionismo, literário, alegria, uma liberdade absurda... Tão grande que não cabe, tão grande que ainda não me acostumei a ela, tão grande que lateja e eu ainda me sinto entorpecido e cada letra sai antes de eu pensar na próxima, tão grande que tudo se desfaz, tão grande que é feliz.

Peço desculpas pela inabilidade, ainda me encontro perplexo e o que eu quero mesmo dizer não dá para ser dito assim. Na verdade eu nem queria estar escrevendo nada disso, queria estar no passado.

Do futuro eu realmente não sei. Sei que me sobra tempo, paz e liberdade.

Ah! Querido diário, estou feliz. (:






haha. ai ai. Normal nesses casos, eu espero.



terça-feira, 28 de outubro de 2008

Outra Vez: Eu Não Sei.

Devo ter me esvaído mais do que eu poderia para continuar deixando rastros. Para eu não perder o caminho de volta quando eu me arrepender do antigo... Labirinto por onde segui: por impulso, diversão ou qualquer outra justificativa mais nobre e tão estúpida quanto a covardia. Devo ter me lançando tão fundo, tão fundo, tão fundo que chegado no final eu descubro que o intervalo entre a queda e o chão é só mais um lapso temporal como fechar os olhos e depois abri-los: um segundo, oito horas ou nunca mais.

Provavelmente não estás entendendo coisa alguma, ou pensa estar entendendo qualquer coisa, acho que me contrariaste e está tentando descobrir o que eu quis dizer com o que eu disse ou digo ou deixei de dizer ou desisti ou nem pensei. Deixa eu te contar um segredo: também não sei, completamente, o que as palavras querem dizer. Elas me chegam e eu combino da maneira mais lógica e racional que a minha modesta noção de ordem me permite, e, ainda assim, não vejo o nexo muito explícito: o que não é muito natural para alguém que quer dizer algo através disso. Talvez eu não queira dizer nada, enfim.

Não, não é assim: eu sei o que eu quero fazer, mas quando estou fabricando tudo ganha uma dimensão tão grande que eu perco o controle da produção. Não era para isso estar aqui, nem aí. Avaliando as letras e as entrelinhas eu vejo quatro possibilidades, duas são as maiores probabilidades, as outras duas são as menos óbvias, logo, as mais interessantes: nenhuma certeza ou verdade, nem inventadas, nem provadas, nem usadas. Figuras de linguagem são abstratas demais, eu pinto um quadro surreal-existencialista e me deixou ser engolido por ele. Essa história de não haver verdade é bem interessante, porque se não há verdade isso nem real é. Ou é real demais.

Talvez seja apenas uma necessidade primitiva, inconsciente e infantil: desmontar as coisas e analisar o sistema para ver como funciona. É mais fácil quando as peças estão dentro, quando estão paradas ou quase sem força: girando lentas e enferrujando, a última parte da engrenagem já nem recebe força suficiente para servir ao resto. É, ainda sou eu, enfim... Tava precisando relembrar disso.

Na falta de estímulos ou disposição para ser, encontro ânimo nesses gritos mudos sabendo que há uns surdos que ignoram os avisos para seguir do jeito mais fácil e encontram semelhança onde eu só vejo complexos e confusões que, apesar de serem nonsense, me instigam pela anormalidade.

Eu gosto do que eu não sei.





Acho que estava precisando de mais dias, viver mais... Ou menos... Ah, tanto faz, não vou começar outro agora.
Só queria agradecer, mais uma vez, a quem lê e agradecer mais ainda a quem comenta.
Também quero pedir imensas desculpas pelo desleixo e minha total falta de educação em não retribuir os comentários ou a atenção. Mas eu realmente acho muita falta de consideração com quem escreve ler de qualquer jeito só para comentar sem estar com "espírito" para absorver as nuances dos textos. Nem livros conseguia ler, tava ficando preocupado.
Enfim, quero dizer que vou voltar a retribuir as visitas e tentarei fazer com que o próximo mês tenha 7 dias.
Até.

(Visceral: http://averdadeinventada.blogspot.com/2008/10/sobre-o-oculto.html)

domingo, 19 de outubro de 2008

A Estrada Só De Ida Para A Metafísica Surreal.

Ela recusou-se a abrir mão dos sonhos de infância
Desde menina era curiosa e destemida
Passou a cultivar piedade, caridade e desconfiança
Por todos que não conheciam o sabor
De entrar na realidade a ponto de perder
A noção de onde começa e termina uma cor
E depois voar como se não fosse feita de átomos.

Ninguém entendia a menina rindo sozinha
Ria porque não sabia o que via
O primeiro caleidoscópio
Foi presente do melhor amigo
Luzes multicoloridas e texturas dissolvidas
Brincando com princesas prostitutas,
Fadas assassinas e centauros suicidas

Ela mergulhava num mar denso de alegrias
Visitou Atlântida com os seus pulmões e bolsos apertados
Comprou a amizade de sereias cretinas e tritões tarados
Mas aí o ar e a grana acabaram
E ela desaprendeu a andar e voar e nadar
Enquanto os outros lutavam para salvá-la
Ela só queria se afogar

Então ela ultrapassou suas fronteiras mais remotas
E lá se foram os ares, os chãos, os tempos e as vidas
Agora ela desliza entre notas distendidas
Dançando lépida ao som de melodias esquisitas
Lá onde moram os deuses esquecidos e os bons espíritos
Olhando por àqueles que suportam com coragem a realidade.









É, é uma música.
Não iria postar isso, mas, talvez, ainda haja quem entre aqui esperando ler coisas novas.
De uns tempos pra cá alguma coisa desbloqueou na minha cabeça (ou alguma entidade baixou em mim) e aprendi a trabalhar melhor com versos e rimas.
Já compus treze músicas, quem sabe gravo e coloco aqui um dia. Só preciso encontrar um baixista, um guitarrista, um tecladista e um bateirista que estejam dispostos a fazer um som experimental, tipo bossa nova psicodélica ou coisa do tipo. Facílimo.
Interessados favor enviar currículos. ;)

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Distante de mim.

Diante de mim, as velhas opções perfiladas da mesma forma esperando as mesmas escolhas. Escolher tornara-se automático, um hábito casual e óbvio: exatamente o que eu sempre repudiei. Mas seguir por caminhos parecidos nos causa a impressão de que desemborcaremos vezes seguidas no mesmo final, e do fim, fazer um novo início e andar em círculos novamente, até nosso senso de direção nos cegar temporariamente e fazer da repetição, através da irracionalidade, o inédito.

É exatamente nessa desconexão de sentidos que mora a insegurança e a longitude. Deparo-me com a incompreensão e danço sem jeito uma valsinha triste que entra ferindo meus ouvidos e embriaga até me levar a um mundinho distante e incoerente. E quando consigo recuperar meus sentidos, descubro que nenhum deles me vale de nada e, outra vez, me vejo perdido e incapacitado de perceber o que me cerca e o que me faz.

Das outras vezes era quase voluntário, eu era mesmo inconseqüente e mentiroso. E as minhas mentiras valiam unicamente a mim, porque só eu entendo onde está guardado o poder sutil das minhas mentiras, e só eu sei usá-las, só eu sabia. Porém, minhas anestesias baratas não me fazem mais efeito, meu organismo acostumou-se às toxinas e aprendeu a combatê-las: combater a si mesmo é uma guerra perdida. É paradoxal, mas nós ganhamos raramente, saímos na maioria das vezes com uma parte amputada, coração remontado com pedacinhos a menos.

Agora as coisas parecem tão nítidas que me desesperam. Consigo ver a proporção do que está me acontecendo e diante desse medo, das coincidências ingratas e da merda das barreiras, quase instransponíveis, eu só consigo me manter estático: porque eu temo o que eu esperei e não alcanço, e é aflitivo e frustrante tocar palavras.

O segredo da felicidade, esse ideal latente e constante, é palpar e escolher querer, com a intensidade necessária para ser feliz, uma daquelas óbvias opções pré-dispostas e disponíveis. O mal é que somos incuráveis, e, talvez, quando estivermos sucumbido completamente a nossa doença, encontraremos nossa felicidade escondida na loucura necessária para sermos insanos, guardados um no outro.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Reticências.

Eu abri mão da ilusão mais doce que já me apareceu por pura covardia. A fraqueza mais estúpida da natureza humana, característica dos medíocres e dos cegos, fez-me fechar os olhos e esconder minh’alma da encarnação límpida materializada pouco a pouco no tempo vão e sem profundidade desses anos.

Surgiu do acaso, como todas as coisas certas surgem, e me apareceu com olhos úmidos, assim: de braços abertos, vertendo poesia por todos os poros e com o coração oferecido numa bandeja de ouro. E eu olhei-a... Eu não quis crer, e depois de avaliar as conseqüências, após enxergar apenas o lado ruim e como ele inteiro poderia me foder, eu optei por me trancar do lado de fora.

Ah, quanta estupidez... O cara que sempre criticou a racionalidade e a lógica, como a combinação excessiva das duas é capaz de sugar toda a mágica da vida, começou a avaliar minuciosamente uma situação que nem real era: porque, de tão extraordinária, eu não tinha nada palpável, ou certo ou mesmo previsível pra analisar, não podia tentar montar um quebra-cabeça porque as peças não tinham formas definidas.

Segui meu rumo tratando-a como um mero elemento a mais, um pedaço de terra novo pra pisar e brincar de atirar contra o vento. Eu, sem perceber (ou sem querer perceber), fui respirando-a e absorvendo-a com uma placidez e ingenuidade dignas de pena.

Letras, e palavras e rimas e depois poesia, poesia, letras, músicas, letras, palavras, músicas... Eu, que sou dado às abstrações e às futilidades, realmente pensei que poderia experimentar a intensidade, quase dolorosa de tão sutil e natural, brotando da menina de beleza mais delicada, encantadora, pura e terna que eu jamais vi... Não, não vou tentar descrevê-la, não iria conseguir substituir com letras aquelas formas.

Tempo. É, de novo falo do tempo, e de novo isolo-o numa oração e coloco um ponto em seguida. Não, eu não mudei minha visão: tempo mata, matará ou transformará tudo. Mas ele me enganou dessa vez, porque ela afastou-se de mim (quanta ironia...), e eu achei realmente que havia me acostumado à ausência daquilo que chamei de mentira. Claro, pensava nela, mas já era uma lembrança, e só. E quando meu peito começava a apertar, eu simplesmente ignorava a dor e procurava outra coisa pra botar em seu lugar: palavras idiotas, merdas, enganos, coisas poucas, risos fáceis (tão diferente dos de antes), tanto faz.

Nos dias seguintes a dor tinha cessado, em alguns eu conseguia passar 24horas sem ao menos lembrar-me da existência dela. Mas aí chegou o hoje... Chegou o agora, veio à hora antes dessa, veio à bala e com ela a ferida que nunca havia cicatrizado.

Estava rindo com um amigo (raro: o melhor, mais importante e talvez o único) quando resolvi testar minha cura, e... Veio isso: a continuação, o prolongamento, o hiato, a imagem que jamais sumiu da minha tela branca.

Vou beijar, namorar, trepar, escrever e ainda lembrarei dela. Ao menos uma vez todos os dias, pelo menos à noite.

4:26 da manhã, a Adriana Calcanhoto fala sobre estrelas no meu ouvido enquanto pergunta para quê, e, talvez, ela esteja vendo as mesmas que eu. Chorarei muito semana que vem.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Vômito.

Às vezes as cores desbotam antes mesmo da tinta secar. Esse quadro preto e branco hoje tem um tom de cinza diferente: velho e deprimido. Há coisas que sempre serão velhas, mesmo se forem nascidas apenas há alguns segundos. Carregam o tempo na essência, na idéia de coisa, antes de serem sólidas e só existirem em idéia. Algumas idéias serão velhas e imortais. O tempo. Acho que o tempo mata ou matará quase tudo, menos as idéias: distorcidas, ignoradas ou esquecidas, mas sempre vivas, mesmo que suas vidas sejam inúteis e desconhecidas.

Minhas coisas existem e fluem apenas como idéias. Mas eu não vivo à margem do tempo, o meu tempo corre e minhas idéias passam resignadas ao seu lado, e eu espero, em vão, que ele as distenda até nossa realidade para eu tocá-las. Sim, porque por mais distante ou desencaixado que eu possa parecer (ou ser) ainda estou aqui, e por estar aqui é que não sou alheio ao tempo. Penso em mim como um buraco negro ao contrário: que cospe ao invés de sugar, que dá e não recebe, aquele perdeu o brilho não por roubar a luz, porque nem há luz. Buraco negro perdido, que gira em torno de si, fica tonto e vomita. Que é, mas não cabe.

Agora eu sinto uma solidão única, absurda e injustificável. Talvez eu seja ao contrário, mas o vazio é o mesmo, eu jorro meu tudo e o vejo, impotente, ser esvaído e sucumbir até tornar-se nada. Sou coisa alguma. E me entregarei sim às efemeridades e às diversões baratas, furarei meus olhos para me contradizer e me anular. Porque assim eu não me sou mais tão necessário.

Falava ontem que uma vida sem sentimentos é superficial e seca, não vale o esforço. No entanto o esforço é só mais uma das minhas idéias de coisa. Dentro de coisas estúpidas, eu vou adormecendo as idéias daquelas que valeriam a vida, o esforço e até sua própria existência. Sentimentos são só idéias disfarçadas de poesia, carecem virar coisas. Carecem, necessitam muito.

Falta incomensurável essa de hoje. Restam esses caminhos finos criados pelas gotas de melancolia por onde escorrem as palavras para me fazer companhia, é o que está mais próximo de mim e me ilude deixando as minhas idéias mais reais.

Ainda morro de velhice qualquer dia desses.

Sinto-me caindo sozinho e desamparado num abismo gigante feito de ar rarefeito, vou dormir sufocado antes de me despedaçar no chão.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

A.I (auto-ironia)

Bom, eu sei: não preciso fazer isso. A internet tornou-se um imenso espaço público, e eu não tenho obrigação nenhuma de me justificar ou dar satisfações a ninguém. Mas depois que comecei a postar o que escrevo desenvolvi uma relação estranha com o blog e, conseqüentemente, com as pessoas (de gosto um tanto duvidoso) que o freqüentam regularmente... ou quase isso. Metalingüística é uma das minhas figuras de linguagens preferidas: acho interessante, divertido e instigante falar sobre o que se fala. Deve ser coisa de gente meio perturbada (disfuncional mesmo) com mania de querer conhecer os outros instantaneamente (enquanto provoco constrangimentos e causo a impressão de que a minha maior diversão é tentar coçar com a mão destra o cotovelo direito).

Quero esclarecer umas coisinhas importantes para evitar alguns possíveis (novos) inconvenientes: o blog não é um diário, não é literário, não é fictício, não existem terceiras pessoas (haha. tá, isso é mentirinha e eu sou muito cínico), não é inteiramente factual e, por hora, eu não faço uso de psicotrópicos nem me valho de mensagens psicografadas do além para produzir os textos. É um espaço despretensioso, pessoal (quem sabe filantrópico, caridoso e, quiçá, surrealista além de um pouquinho subliminar) que uso para ressoar meus berros abafados.

Já falei antes, repito: em primeiro lugar, eu escrevo para mim. Escrevo porque preciso, dependo. O que está aqui não está aqui para ser censurado ou idolatrado: é para ser lido, abstraído, engolido, captado e só. Caso não goste: vomite, me ignore e diga que tudo não passa de uma bosta fétida gigantesca e intragável (adoro essas críticas construtivas). Agradeço muito, mais uma vez, a quem comenta os textos. Não vou negar que me sinto mais confortável e contente ao saber que não estou falando sozinho, como um louco... Ok, como um louco que não tem consciência da loucura.

Rodeios a parte, tenho que confessar que ando sem saber o que dizer (ou inventar, como preferir). É estranho isso: de um jeito ou de outro, eu acabei criando um compromisso que eu, sinceramente, gostaria de ter dispensado. Quatro dias, cinco ou seis no máximo, foi esse o prazo que dei a mim mesmo. Aliás, hoje vence o prazo, o que quer dizer que se alguém estiver lendo isso agora, saiba que eu estou levemente desconfortável. Se não conto é porque não tenho vivido o suficiente, ou com a intensidade que gostaria: “a vida não é a que gente viveu, e sim a que a gente recorda, e como recorda para contá-la.”, já dizia García Marquez.

Éca, tô com nojinho de mim. Isso aqui tá parecendo: “Querido diário, eu tenho andado com muiiiita preguiçinha mental e não vou salpicar palavras confeitadas de alegria em suas páginas perfumadas, e nem te contar meu novo segredinho cor-de-rosa agora. Mas eu ainda te adoro de montão, hein. Beijos estalados com glitter”. Argh, uma lástima, olha. É isso que dá ficar vendo a maratona especial sobre o canto das baleias no NatGeo, embaralha os ralos neurônios psicóticos do cérebro da pessoa (falando nisso: alguém que dedica sua vida a estudar o comportamento reprodutivo da foca-monge-mediterrânica, que a mesma viu somente uma dúzia de vezes durante toda sua vida, muito provavelmente não tem grandes aspirações. No mínimo sofreu um forte trauma emocional [lê-se sexual] na juventude, só pode).

Tenho a leve impressão de que escrevi esse besteirol apenas para dizer que o eco do texto anterior durará mais alguns-não-sei-quantos dias. Se chegaram até aqui sem dar uma risadinha e estão embasbacados com tanta porcaria, e só continuam porque são movidos pela inabalável fé de que ainda há algo com o mínimo de decência por vir, vou desapontá-los mais uma vez. Pararei por aqui mesmo, desde o “querido diário” eu estou com muito, muito medo de mim.

Procurando algo que realmente mereça alguma atenção, aconselho ler a *Camila: algumas das minhas palavras se perdem dentro das palavras dela.

*memoriasdapoeria.blogspot.com

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Cândida Reza.

Naquela noite, eu desfrutava da aprazível companhia de minha invencível solidão e da insônia que até hoje insiste em me perseguir querendo sabe deus o quê. No escuro eu ensopava de suor graças ao calor infernal, sentia um cheiro de éter velho e a brisa porca do ventilador atirava poeira contra as minhas narinas. A televisão estava sem sinal, eu me distraia com aquele zumbido irritante enquanto ela projetava faíscas pretas descontroladas no meu rosto. Deitado com o peito virado para o teto, mãos na nuca, olhos acompanhando as linhas paralelas feitas pelas madeiras do forro: pensava no dia repetido, no meu isolamento costumeiro, nas pessoas que perderam o gosto, em gente desconhecida, em hipocrisias, no sono, na história, até que finalmente cheguei a ela.

Daquela vez eu sorri quando me lembrei dela, sorri porque eu estava fazendo papel de idiota, pior: um idiota absolutamente consciente e que reprovava sua idiotice. Nessa madrugada tediosa quando eu recordava dela, só vinham à tona frases raras, um rosto angelical e uma voz de ninar. Era o resumo mais fantástico que eu já tinha feito de algo ou alguém.

Eu tinha palavras, traços e som: era o ator coadjuvante do meu próprio filme surrealista. Ela e eu no meio de uma plástica dissonante de letras, formas e barulho.

O óbvio era imprescindível para introduzir o que aconteceria posteriormente (esse é mais teu que meu):

Fechei os olhos por seis segundos para vaporizar a sujeira e o lixo do quarto numa fumaça pesada e palpável, era necessário criar uma atmosfera noir antes de encaixá-la, caso contrário, o resto não teria o menor sentido. Levantei as pálpebras e o quarto estava tomado por uma neblina sépia-desbotada, ela dançava valsa embalada pelos sopros do ventilador que volitava no breu produzindo mini-tufões enquanto eu admirava-o espantado. Ele zombava de mim com ciclones cínicos vindos de suas piruetas acrobáticas: o vento girando em sentido horário era o inverso do assombro que eu já havia previsto, mas tentava, em vão, atrasar. Susto é vento violento.

Quem gravava a cena, sem cortes, era uma micro-câmera posicionada nas costas de um mosquito bêbado que vagava pelo ambiente transpassando a luz vinda da televisão, ela nesse momento cuspia pontos pretos minúsculos para todos os lados que, depois, voavam como um enxame de vaga-lumes mortos. Como não consegui distinguir o mosquito no meio daquele carnaval sem cor, cada ponto preto era um olho meu: desconexo, incontrolável, perdido, confuso, dela.

Já não tinha intervalos suficientes para ter medo: estava atônico observando os olhinhos negros filmando, no mesmo segundo, múltiplos ângulos que convergiam no centro do quadro praticamente vazio.

A televisão havia se despido de quase todos os seus grãos, e agora era apenas uma tela branca silenciosa que produzia um brilho alvo, meio opaco e muito melancólico, que atravessava a névoa com dificuldade e dissipava-se, uniformemente, pelo resto do quarto transformando objetos em silhuetas semi-reconhecíveis.

Quando o último grão desprendeu-se da superfície de vidro da TV e juntou-se aos outros, foi surgindo vagarosamente na tela o rosto dela, é inútil tentar descrever sua beleza. A interferência que antes nos afastava e a prendia naquele mundinho paralelo, diminuto e incolor, finalmente havia desistido de nos atrapalhar e passou a contemplar ansiosa a cena: escreveu a história e sabia como terminaria. Os pontos esperavam para conhecer o pós-fim, daquela vez não existiria recomeço (ah, o sadismo... Conheces?).

Eu fiquei sentado com a costa apoiada na cabeceira da cama, braços cruzados, coração acalentado e com a visão fixa nas formas primorosas que construíam o rosto dela. Ela sorriu cintilante para mim de dentro da pintura e eu lhe respondi piscando o olho direito. Então eu já não precisava fazer coisa alguma.

Trinta minutos, ou talvez três horas, noites, tanto faz.

Foram poemas de amor, discursos existencialistas, muita euforia, palavrões, condenações, cansaço, lamentos de velhas paixões, saudades, nostalgias, conclusões a respeito da felicidade e da tristeza, declarações abafadas, desejos íntimos, constrangimentos, ideais de perfeição, verdades indiscutíveis, alegrias, ânsias e uns olhares molhados pela cumplicidade. Eu variei entre risos, perplexidade, admiração, prantos e ausência. Ela vomitava-se sobre a minha solidão e eu permanecia mudo. Era inútil falar qualquer coisa: ela conhecia, entendia, refletia e compartilhava cada uma das minhas palavras escritas, pronunciadas, perdidas ou abafadas, junto de todas as suas combinações possíveis ou improváveis... Ou talvez não, mas ela tem uma criatividade gigante e encantadora, acho que não teria dificuldade para me completar.

Enfim, após esvaziar-se inteiramente e me encher dela até chegar ao ponto de dilatar os meus mais remotos limites, depois de depositar-se em mim, a minha vida fundiu-se a dela numa existência só: fluído químico homogêneo que reagia no meio daquela circunstância metafísica inexplicável.

Além das fronteiras de mim, depois das fantasias, no avesso da poesia, perto do fim dos significados e das palavras não existia nada, fora o vácuo, mortificando-a naquele universo paralelo que a separava de mim por kilômetros longínquos dentro de tempos intermináveis. A única coisa que nos ligava eram suas palavras multicoloridas pela minha compreensão.

Quando ela finalmente calou-se, permaneceu com a feição fechada por uns segundos, estava séria e tinha os olhos tristes. Deitou seu lindo queixo na mão esquerda e confessou, num tom exausto e com a voz embargada, que a única coisa queria naquele momento era mandar o mundo e tudo que há dentro do mundo ir à merda. Então eu não me agüentei e, por fim, reagi com a intensidade que ela merecia: gargalhei. Eu ri um riso inocente, mais arrebatamento que brincadeira, mais desabafo que riso, mais lágrimas do que dentes, mais ternura que descontração, mais um “eu te amo” impronunciável.

Furei a bruma e aproximei-me da televisão num salto desajeitado, com a cara encharcada e entupido daquela felicidade imensa, acompanhei os traços singelos acariciando a tela com o indicador. “Que vá todos e tudo à merda”, falei-lhe radiante. Mas ela permaneceu estática com a mão apoiando a cabeça, o olhar desencontrado, produzindo aquela atmosfera infeliz e com os pensamentos... Não sei onde estavam... Realmente não sei... Claro, claro que sou tentado a acreditar que eles eram meus, mas... Como poderia definir algo no silêncio remoto? Silêncio sem formato, infinito, reservado, envolvente, meu silêncio roubado e desconhecido.

Repeti minha única fala três, seis, nove, vinte e sete, cinqüenta e quatro vezes. Repeti quando ainda tinha esperança, repeti quando não quis acreditar, repeti quando já sabia, repeti gritando, repeti chorando, repeti furioso, repeti conformado e repeti sem voz, depois eu apenas rezei em silêncio, sem repetir, pedindo com todas as forças para que ela soubesse da minha inútil presença distante.

A televisão desligou-se, a mágica do ambiente pereceu instantaneamente. O ventilador caiu no chão, a neblina desfez-se, e o enxame de vaga-lumes mortos bailou imponente antes de sumir. A interferência, enfim, havia ganhado e provado ser imbatível perante a mim, mostrou-me que imaginação não concretiza o impossível nem distorce o inevitável. O quarto foi engolido pela penumbra mórbida, e o meu filme morreu com o mosquito bêbado que não pôde com a sua solidão. Eu permaneci de joelhos, orando.

Num momento dúbio de lucidez, eu cheguei à conclusão de que escrever, fora milhares de outras sensações, qualidades e definições possíveis, é encarnar um deus que não existe: foi para esse deus que eu roguei e vendi minha alma naquela noite.

Pós-Fim.

domingo, 24 de agosto de 2008

Caleidoscópio surreal girando na velocidade do som feito pelo Portishead.

De longe, com a respiração controlada, os olhos inertes, a boca seca, os pensamentos soltos e uma frieza desumana, eu analisava-a fixamente. Oito metros, quinze passos em linha reta.

Nota memória: Não sei o que estou fazendo.

Agora eu sou um caleidoscópio surreal girando na velocidade do som feito pelo Portishead.

Criticar. Estava pensando nisso esses dias: iria encaixar alguém, analisar, realçar defeitos, falar do que não gosto, iniciar um debate moral idiota ou uma discussão de valores totalmente dispensáveis.

Olhava-a e pensava nela simplesmente porque não havia outra coisa a fazer. Porque eu estava só com as minhas palavras, e elas voam sem rumo dentro de mim se chocando uma contra as outras até caírem no abismo do meu esquecimento. Há partes de mim que nem eu alcanço.

Porque eu não sei mais o que fazer, por isso junto as letras nessas frases soltas, é difícil entender pois não era a minha intenção inicial fazer isso.

Eu perdi a linha, não tenho referencial. Eu só tenho um ponto: a liberdade.

O que não me agrada é a idéia de permanecer afastado de mim. Se eu me jogo assim, sem medo, é porque eu sou covarde demais pra permanecer à beira do abismo.

Lá não importa onde é: o lugar conta menos, o espaço é só um detalhe técnico. O que é importante é o que eu escrevi lá, e o que eu escrevo não é matéria para ocupar espaço. Vou sempre estar onde estou, e onde eu estiver minhas palavras estarão comigo: porque eu sou palavras, significantes, verbos e nomes. Já disse isso: duas ou cinco vezes, e eu vou repetir até eu me convencer completamente.

Porque o que eu escrevo é energia: pura, limpa, suja, forte, sutil, imperceptível, destruidora.

Porque eu não amo.

Pode ser qualquer uma, e em nome de todas, eu espero.

Ela perguntaria:

- Por que estás fazendo isso?

Eu lhe diria:

- Nada. Tu és só um molde.

- Estás esculpindo o quê?

- Isso.

- Precisa do meu rosto para iniciar um pseudo-diálogo que nada mais é do que um monólogo para tu satisfazer tua necessidade básica?

- Não, teu rosto é só uma desculpa: um argumento para eu te mascarar de mim.

- No fundo, querias que eu fosse tu.

- És viciada como eu, faria o mesmo na minha situação.

- Qual tua situação?

- Essa.

Preciso de alguém que escreva comigo, por mim. Eu estou cheio demais de mim, tão cheio que não consigo sequer definir uma forma.

- Quer que eu diga o quê?

- Melhor a minha mudez e o teu rosto. Dane-se a poesia das palavras, não dá pra compartilhar o que transpira de ti.

Como um muro branco: posso te pintar, ignorar, pichar, pular ou derrubar.

Sou um vagabundo miserável.

Eu não te temo, tu me destróis e eu me sinto radiante em cacos: multiplicado sobra mais espaço pra ti.

Quinze metros, oito passos em linha reta.

Continuas sendo a minha ilusão mais doce, meu melhor engano: mesmo depois de te desfazer, do mesmo jeito que eu te inventei, continuas como parte de mim. Sabes disso, no fundo sabes.

Eu te quero acima de tudo, e tudo não faz falta se estiveres comigo. Eu quero que o tudo se dane e o pouco também. Que reste apenas nós.

Porque, um dia, eu coloco um ponto em seguida nessa história absurda que eu comecei. A partir desse dia eu te terei e vou te sentir com toda essa droga desconhecida que eu tenho dentro de mim.

Eu vou te amar com toda essa intensidade mesmo tendo também a certeza absoluta de que terei uma depressão proporcional nos dias seguintes.

É invevitável: o tempo é um rolo compressor impiedoso que esmaga (e renova) os corações inquietos daqueles que pensam mais do que podem.

Deus deve ser tempo.

O que eu mais queria é saber como reages pra eu finalmente sentir, com convicção e força, que estou vivendo.

Não sinto mais nada além de indiferença por ti. Tu és só um pretexto insignificante, que fique claro.

Tu estás feliz, eu estou apático. Não que isso me incomode, mas é que não mereces essas merdas: ninguém que esteja bem merece a angústia do outro.

Não é só pra ti, é pra todos.

Foda-se. Eu me sinto muito melhor agora. Às vezes eu preciso abrir um buraco em mim pra me deixar vazar.

Não sou egoísta, por isso peço perdão a quem lê. Peço compreensão também, eu acho que esse é só o primeiro de uma série de retalhos.

O eco dessas palavras não me deixa dormir.

Eu ando muito, sem nexo nenhum.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Eterna Ânsia.

Dedico a ti: metáforas grosseiras; linhas tortas; delírios ilimitados; mentiras lindas; horas vãs; segredos íntimos; coreografias exaustivamente ensaiadas; torturas ternas; bobagens divertidas; dramas líricos; cenas de ação; diálogos metalingüísticos; ócios enlouquecedores; sorrisos falsos; verbos de ligação; esperas intermináveis; fraquezas explícitas; enganos anestésicos; rimas de merda; dias sem início ou fim; lágrimas raras; contradições justificáveis; mensagens subliminares; desesperos secretos; as cicatrizes imortais; alegrias medíocres; perfumes doces; batidas fortes; a parte maior do todo; o resquício de vida; os desejos reprimidos; as cores mais vivas; a melancolia amiga; os votos falsos; as escolhas aleatórias; a saudade do que nunca existiu; as ironias idiotas; o cheiro de chuva das madrugadas; os tons de cinza; a franqueza desnecessária; o medo do desconhecido; os erros imperdoáveis; a esperança burra; a mudez opcional; o barulho interno; as atitudes infantis; as condenações preconceituosas; os pensamentos que não são teus; as abstrações surreais; o conhecimento mais miserável; os exageros mais escrotos; a estrada de palavras embaralhadas - mais caminhos que fins.

A ti que é alimento, que me faz sobreviver, me machuca, me desilude, me fere, e que me lembra; a ti, que apesar de teres ganhado algumas belas formas, não tem nome; a ti que não tem lugar no espaço-tempo; a ti que é o que mais quero, apesar de desconhecer-te; a ti que me ignora; a ti que eu clamo: dedico a ti, da pessoa mais covarde de coração mais estúpido, a mais sincera poesia.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Para a Menina.

Ah, menina, uma hora dessas quem sabe lês isso. Provavelmente irá gargalhar espalhafatosa com toda tua imponência, visível mesmo sem a tua presença. Vais rir por minutos sem mostrar os dentes; ainda não sei como são teus dentes e, nem de longe, sou do tipo que é dado a imaginar coisas impossíveis e que, muito provavelmente, nunca existirão. Farás apenas uma meia-lua gigante com teus lindos lábios rosados.

Sentirás vontade de me bater também: aquelas tapinhas sem força feitas de carinho, porque o que vou dizer talvez te deixe um pouco sem graça, um tanto quanto constrangida. Espero, sinceramente, que um dia eu esteja do teu lado para que tu me espanques até eu não conseguir sentir mais nada. Não, não descobriste agora que sou sadomasô. É que para mim seria uma honra inenarrável ter contato com tuas brancas, cálidas, pueris, singelas e delicadas mãos mesmo que isso me custasse à invalidez de algum membro.

Sei que a ironia já começou a escorrer, mas não posso evitar, ela vem direto da fonte: minha contradição combinada à consciência de que estou sendo ridículo. Vontade de escrever sinto constantemente, às vezes não sei sobre o que falar nem como direcionar isso sem parecer idiota, mas eu juro por tudo que é mais profano, que não fiz essa colocação para justificar coisa nenhuma: não estou escrevendo a ti por falta de opção melhor, ou de criatividade, ou boa-vontade, ou escassez de histórias, ou ausência de sentimentos , ou qualquer outra coisa relacionada às anteriores.

Escrevo a ti por um motivo infinitamente mais nobre e importante: és bonitinha, e coisas bonitinhas me inspiram. Possuis também minhas doces palavras porque tu roubaste meus pensamentos, menina - depois de uma dessa e uns três litros de álcool até eu casaria comigo. Não posso te explicar como isto funciona, teria que recorrer a cálculos físicos complicadíssimos e a filosofias de banheiro complexas demais para ti.

Não, não acho que sejas incapaz, muito pelo contrário: no meu julgamento dispensável e totalmente baseado em preconceitos bestas e impressões superficiais, eu percebi que tens lá os teus lapsos de lucidez intercalados entre uma expressão estúpida e a adesão de uma modinha idiota.

Aliás, deverias procurar um jeito melhor de expor tua imaculada personalidade. O que fazes além de ser nitidamente exagerado é um tanto quanto forçado. És diferente, não é necessário se igualar aos outros para ser o que já és. Não precisas provar coisa nenhuma a ninguém, menina. Parecer rebelde e descolada são atitudes típicas de pré-adolescentes imaturas que sofrem, sem perceber, crises de identidade enquanto idolatram a bandinha da vez e tentam encher o perfil do Orkut, quando não estão a entupir-se com umas besteirinhas recém-descobertas.

Vou te contar um segredo: uma grande parte do mundo é só um conjunto de incoerências temperado com pingos de hipocrisia & egocentrismo; as pessoas estão ocupadas demais satisfazendo sua ânsia por diversão barata e tentando promover elas mesma; distraídas com os próprios narizes não tem como olhar para o teu, por mais lindinho e empinado que ele seja.

Tua beleza é realmente radiante. Mais que isso: ela é inspiradora, e graças a ela escrevo palavras tão ternas e carinhosas a ti. Não mais me valerei de metáforas para te descrever, serei claro como tua casta pele: teus traços europeus misturados a tua aura mágica de ‘‘estou bêbada, sempre’’ te deixam incrivelmente bela. A aura de ‘‘estou bêbada, sempre’’ é tua maior graça, menina.

Tenho gosto exótico, eu sei. Mas sem ele eu não teria amor próprio.

Admiro-te atentamente tentando respirar tua beleza e quase sempre tenho a impressão de que estás num estado etílico ligeiramente elevado. Acho até que senti o cheiro forte do uísque vindo de ti e da tua garrafa enquanto tentava respirar a beleza numa foto tua.

Ah, escreves bem... Escreves mesmo. Vai ver é isso que te deixa bonitinha a ponto de me comover e escrever coisas tão açucaradas. A capacidade de expressão verbal é uma das coisas que mais aprecio em alguém: revela um conteúdo nosso que é oculto, de certa forma, é meio complicado chegar nele quando estamos no meio de todos. Revela uma consciência reprimida; gostei da tua consciência reprimida, menina. Ela não parece bêbada, tem um charme maior ainda: é ligeiramente perturbada. Não me entende mal, não falo pejorativamente, gosto da anormalidade: acho que aumentam teu sex-appeal esses leves desvios psiconeuróticos.

Acho-te encantadora, menina: inteligente, linda, sexy, agitada e bêbada.

Espero, de verdade, que uma hora dessas leias o que eu escrevi com tanto afeto; eu acho difícil, mas enfim. Não importa muito saber que é teu, só queria que captasses toda poesia transbordada de ti e moldada por mim.

Falaram-me uma vez que a tia Esperança é a última que morre e a primeira que ressuscita. E eu tenho muita fé de que algum conhecido em comum cruze nossos destinos e te mostre as tuas palavras; e é só, apenas e unicamente por isto, que compartilho com o mundo o que era para ser somente teu.

Ficou maior do que eu pensei que ficaria. Talvez eu continue mais tarde. Preciso te dizer de novo: Possuis também minhas doces palavras porque tu roubaste meus pensamentos. Eu pensei melhor em ti; percebi que nosso casamento não é coisa tão remota, o mais difícil é tu leres a frase.



Beijo na boca, Menina.